O coronavírus no interior do Brasil

Como Mossoró aparece entre as médias cidades brasileiras à beira do colapso de UTIs?

Olhando números tão aterradores entre cidades do interior  e percebendo que Mossoró consta na lista dos municípios à beira do colapso no sistema de saúde, as providências de isolamento e distanciamento social precisam ser reforçadas urgentemente

Tudo caminha para que os profissionais da saúde, que estão na linha de frente no enfrentamento ao covid-19,  não conseguirão forçar o Governo do Estado, nem a Prefeitura de Mossoró a adotarem um lockdown como forma de controlar os níveis de atendimento no sistema sanitário e impedir o colapso nos hospitais com a ascensão do número de doentes.

A luta é inglória, mas também necessária. Motivos não faltam. O jornal Folha de S. Paulo destacou na edição de domingo (17) reportagem em que aponta as cidades do interior do Brasil com UTIs lotadas a ponto de pressionarem suas capitais. Sete Estados do Norte e do Nordeste apresentam alta demanda por leitos, entre eles o Rio Grande do Norte (Bahia, Pernambuco, Ceará, Pará, Maranhão e Amazonas). Inclusive, a reportagem aponta que, ao lado da Bahia, o RN tem cidades com 100% de ocupação enquanto há vagas nas capitais. Mossoró aparece com destaque na reportagem e no infográfico, onde “tem 26 dos 35 leitos de UTI de pacientes, uma ocupação de 77%”.

O ideal de ocupação deveria girar em percentuais abaixo de 50%, índice considerável apropriado para atender o fluxo de demanda à medida que os doentes internados vão desocupando os leitos. O sinal vermelho de Mossoró, portanto, já está aceso.

Com a fragilidade da fiscalização do isolamento na cidade e com a falta de conscientização de boa parte dos mossoroenses ao se negarem ficar em casa neste período, a lotação total dos leitos é só questão de tempo. A impressão que passa é que não alcançamos a plenitude de ocupação por mera obra do acaso.

Por esta razão, o lockdown foi reivindicado. Os médicos bolsonaristas se colocaram contra, alegando que tem de abrir toda a economia. Sim, bolsonaristas, porque a nota do Sinmed foi mais política do científica, como já abordado por este site.

O Governo também se manifestou contra, no entanto, com o zelo não observado pelo sindicato dos médicos.  No blog do jornalista Saulo Vale, o documento apresentado pelo Governo para atender à determinação da Justiça sobre o pedido do Sindisaúde diz o seguinte: “O Comitê [Técnico da SESAP], após exaustiva análise da conjuntura atual, conclui que ‘não existem fundamentos que se justifiquem agora a decretação de lockdown (ou quarentena total, como chamado na liminar) mais restrito. As medidas adotadas pelo estado de isolamento e distanciamento social, com o uso de máscaras faciais nos espaços públicos, já são suficientes, no momento, para evitar o colapso do sistema [de Saúde]”.

Ou seja, o Governo supõe que as atitudes já adotadas são o bastante, evidentemente para não desagradar setores econômicos que pressionam para que nem sequer tais medidas fossem aplicadas. E reforçou que não cabe ao sindicato reivindicar a restrição total, atribuição do Governo e das prefeituras.

Mas, os dias passam, o número de mortes e infectados crescem. Mossoró, que se tornou o epicentro do coronavírus no Estado, apesar da lotação batendo à porta, tem níveis bem melhores que outras cidades médias do interior do Brasil.

Na reportagem da Folha, Mossoró só perde para Ilhéus em termos de ocupação de leitos de UTIs se comparada com  Caruaru-PE (100%), Parintins-AM (sem UTIs), Itacoatiara-AM (sem UTIs), Parauapebas-PA (80%), Altamira-PA (78,5%), Santarém-PA (100%), Itabuna-BA (90%), Ilhéus-BA (64%), Jequié-BA (89%), Sobral-CE (78%), Quixeramobim-CE (100%), Imperatriz-MA (100%), todos os dados computados até a sexta-feira (15).

Olhando números tão aterradores entre cidades do interior  e percebendo que Mossoró consta nesta lista, as providências de isolamento e distanciamento social precisam ser tomadas. Se o Governo e a Prefeitura descartam, por ora, o decreto de lockdown (embora o Consórcio Nordeste recomende), seria sensato que os decretos vigentes fossem fortemente cumpridos e fiscalizados até mesmo com o auxílio dos aparelhos de coerção necessários. Se assim for, certamente não haverá motivo para que profissionais de saúde apelem para o lockdown, considerando que assim, o sistema de saúde do Estado e de Mossoró poderão atender a todos sob controle em graus que não permitam o colapso, que, como estamos percebendo, está a caminho.