Controvérsia

Professores e profissionais de educação de Mossoró: prioridade na vacina?

A discussão entra no campo ético da vacinação. O que vem primeiro? O que realmente é prioritário? Entenda os principais pontos em torno da polêmica

Por William Robson

Como sabemos, a política federal contra a pandemia de Covid-19 retardou a compra de vacinas. Estamos no fim da fila em busca de um produto escasso. Não há imunizantes para todas as pessoas no mundo e cada nação está priorizando o seu povo em primeiro lugar. Para tentar democratizar a imunização no Brasil e observar os grupos de risco, foram priorizadas as faixas etárias a partir das pessoas mais idosas, além dos profissionais de saúde, os da linha de frente no combate e no atendimento aos doentes.

Neste ritmo, Mossoró vacinou 15% da população. Tornou-se referência no Estado e será o primeiro município a atender ao público acima de 60 anos esta semana, quando novas doses estão previstas para desembarcar nesta quinta-feira (15) do RN. Neste ínterim,  novo decreto prorroga as medidas restritivas  que mantém o toque de recolher. E, por estas diretrizes, no campo da educação, as aulas seguem em caráter remoto.

O secretário de Educação Getúlio Marques: retorno das aulas somente quando o comitê sugerir

Há uma pressão para o retorno das aulas presenciais. Inclusive, o Ministério Público do Rio Grande do Norte entrou com ação para pedir que a Justiça determine a volta as aulas em formato híbrido – com ensino presencial e à distância – na rede pública de ensino. Por sua vez, o secretário estadual de Educação, Getúlio Marques Ferreira, disse que as aulas só devem ser retomadas após recomendação do comitê científico, o que ainda não ocorreu.

O tema é polêmico porque este grupo de profissionais busca ser incluso entre os prioritários da vacinação. Isso quer dizer que um lote específico de vacina deveria ser destinada a todos os professores e profissionais da Educação, independente da idade (atualmente considerada). O argumento baseia-se na segurança para a reativação das aulas presenciais. Importante ressaltar que os alunos não entram na prioridade.

Em sessão na Câmara de Mossoró na terça-feira (13),  a vereadora Marleide Cunha (PT) defendeu que o retorno das aulas nas escolas públicas e particulares aconteça apenas após a vacinação dos profissionais de educação, o que faz muito sentido.

A vereadora Marleide Cunha (PT), que apresentou projeto para priorizar a categoria da educação na vacinação

E ainda alerta: a maioria das escolas não tem estrutura para evitar a disseminação do vírus caso a volta às aulas ocorra antes da imunização da população. “As salas são pequenas, muitas turmas são superlotadas e em muitas salas não há circulação de ar. Como podemos garantir a segurança dos professores, do pessoal da limpeza e dos outros trabalhadores?”, questionou.

As aulas remotas são a saída neste período de pandemia. Em parte, mantém o ano letivo em atividade. Por outro lado, expõe a discrepância social, sobretudo, de estudantes de escolas públicas sem estrutura tecnológica para acompanhar as aulas. A polêmica orbita na dualidade.

“A dependência nossa, a previsão de retorno às aulas, será quando o comitê científico autorizar. Na hora que o comitê científico disser que temos as condições, nós vamos para a linha de frente”, declarou o secretário Getúlio Marques. Ele explicou que “escola não é como shopping, em que você pode ir resolver alguma coisa em alguns minutos e voltar para casa. O aluno é obrigado a passar quatro horas ali”.

Getúlio considera também os fatores que podem levar alunos à aglomeração e ao risco. “Mesmo que a gente tenha segurança dentro da escola, ele tem que pegar ônibus lotados. Ainda não vemos essa segurança”, afirmou. Ou seja, a vacinação exclusiva de profissionais de educação sanaria tal situação envolvendo os discentes?

Os vereadores de Mossoró, em sua maioria, entendem que não há problema nenhum. Aprovaram o  projeto de lei que coloca os profissionais da educação como grupo prioritário para a vacinação contra o coronavírus. Marleide, autora do projeto, explicou: “É essencial a vacinação destes profissionais para o retorno das aulas presenciais de forma segura para todos. Esta foi uma vitória da educação”, afirmou.

Os profissionais da educação são realmente essenciais para a sociedade. O problema é que a vacina que desembarca em Mossoró  é em quantidade muito pequena. Há ainda a pressão de outros setores que argumentam sua essencialidade para se impor na fila de vacinação independente dos critérios de saúde adotados até aqui.

O vereador Raério Araújo (PSD), que defende o curso normal da vacinação por idade

Ante à controvérsia, o vereador Raério Araújo (PSD) acredita que estes profissionais devem se manter em regime remoto e aguardar a vez. E que o critério de idade deve ser mantido. “Acredito que a Prefeitura de Mossoró deve seguir o planejamento inicial. Sabemos que as doses são escassas, e no momento que incluímos um novo grupo como prioridade, outros grupos acabam indo para o final da fila. Sou a favor da vacinação de todos. Garis, trabalhadores, professores. Mas seguindo a prioridade de acordo com as faixas etárias e doenças pré-existentes”, disse Raério, em sessão na Câmara.

A discussão entra no campo ético da vacinação. O que vem primeiro? O que realmente é prioritário? Como pensar em uma lógica de imunização com senso comunitário e democrático?  Raério buscou responder as estes questionamentos ao dizer que tem familiares professores e que recebeu apoio, nas redes sociais, de educadores que veem o tema com ressalvas.

“Muitos professores chegaram até mim e disseram que de nada adianta a vacinação deles se os alunos e outros funcionários da escola não forem vacinados. O justo é seguir a ordem pela idade, de acordo com planejamento inicial, é justo com todas as categorias e todos os trabalhadores”, defendeu Raério. “Quero que todos sejam vacinados e vou lutar por isso. Não vou priorizar um grupo em detrimento de outro. Devemos seguir a fila. Há poucas vacinas e todos querem a imunização”.

E nesta polêmica corrida desenfreada pelas poucas doses, os grupos se organizam na lógica: “vacina pouca, meu braço primeiro”.