Francileno, Tiago, Thábata, Katiúscia, Ecílvia, Schneider: a pandemia rejuvenesceu em Mossoró
Os jovens estão cada vez mais vulneráveis diante do vírus. A nova onda, mais contagiosa, também alterou a faixa etária dos doentes nas UTIs. E chegou a Mossoró com muita força
Por William Robson
O gráfico do Laboratório de Inovação Tecnológica em Saúde (LAIS), da UFRN, traz uma série histórica do percentual de ocupação de leitos críticos por faixa etária. Ao longo do acompanhamento, os jovens começam a ocupar mais vagas que os idosos, antes tido como grupo de maior risco. A diferença se inverteu ao longo da pandemia. Em 29 de julho do ano passado, por exemplo, 74,16% dos leitos eram ocupados por idosos. No dia 21 de abril deste ano, os jovens já ocupavam mais da metade das vagas, com 51,69%.
A morte do ator e humorista Paulo Gustavo, na noite desta terça-feira (04), aos 42 anos em decorrência da Covid, acendeu o sinal de alerta. Os jovens estão cada vez mais vulneráveis diante do vírus. A nova onda, mais contagiosa, também alterou a faixa etária dos doentes. E vitima aqueles que estariam fora do grupo de risco ou com histórico de saúde de ferro.
Material publicado no jornal O Globo mostra que o caso de Paulo Gustavo não é isolado; que a Covid tem avança entre a população mais jovem, com aumento de casos e mortes. O Boletim do Observatório Fiocruz Covid-19 aponta para o que os pesquisadores chamam de “rejuvenescimento da pandemia”, que significa o aumento dos casos de Covid-19 entre os mais jovens.
O documento demonstra que a faixa etária dos mais jovens, de 20 a 29 anos, foi a que registrou maior aumento no número de mortes por Covid: 1.081,82%. Nas idades de 40 a 49 anos (1.173,75%) houve o maior crescimento do número de casos. Ou seja, a faixa etária do ator e humorista, vítima da doença e de jovens em Mossoró que veremos mais adiante.
Assim, Mossoró tem sido testemunha deste rejuvenescimento. A diretora do Hospital Regional Tarcísio Maia, Herbênia Ferreira, observou esta alteração entre os internados na unidade, desde o final do ano passado. “A gente tava percebendo o grande aumento no número de jovens ocupando os leitos”, afirmou. Até mesmo o prefeito Allyson Bezerram presenciou e comentou o contraste, durante pronunciamento em que apelava para que os mossoroenses se cuidassem neste período pandêmico.
O epidemiologista Ion de Andrade, da UFRN, afirmou que o crescimento no número de pessoas mais jovens nos leitos de UTI e semi-intensivo foi de 60% nesses dois primeiros meses de 2021. “O que está acontecendo atualmente é um crescimento acelerado do percentual de jovens nos internamentos. Em 25 de dezembro, nós tínhamos 28,9% dos leitos ocupados por jovens, que nesse caso significam pessoas com menos de 60 anos”.
Importante ressaltar isso. O rejuvenescimento se trata de pessoas não-idosas, ou seja, abaixo de 60 anos. É este o parâmetro delimitado pelo LAIS ao estabelecer a ocupação de leitos por grupos etários. Utiliza os quesitos “idoso” e “não-idoso”.
Mossoró se insere na estatítica destacada nos gráficos. A alteração que atingiu os mais jovens aportou como avalanche de notícias dramáticas envolvendo vítimas da Covid. Como o caso da jovem bastante conhecida na cidade, Thábata Almeida, intubada na UTI do Hospital Wilson Rosado por mais de 10 dias. Ou do educador físico Tiago Fernandes, de 32 anos, professor de Educação Física do Colégio Diocesano Santa Luzia. Ele também estava intubado no Hospital São Luiz por mais de 10 dias.
Outros casos igualmente impactaram. Tragédia que não passa despercebida. Como a do contador Gilgames Melo, que atuou na Prefeitura de Mossoró e Câmara Municipal; do repórter policial da TCM, Francileno Góis, com 50 anos de idade. Ele estava internado no Hospital Regional Cleodon Carlos de Andrade, em Pau dos Ferros, morrendo no dia 15 de abril.
A servidora pública Ecílvia Batista de Araújo, de 45 anos, também teve a sua vida cobrada pelo vírus, após estar intubada na UTI do Hospital Rafael Fernandes. O mesmo ocorreu com a servidora da Universidade do Estado do RN (UERN), a técnica Katiúscia Moura do Nascimento, vitimada aos 38 anos, em março. Atuava profissionalmente na universidade desde 2010, nas Edições UERN/Sistema Integrado de Bibliotecas (SIB), do campus de Mossoró.
Também em março, foi a vez de Francinildo Soares de Souza, de apenas 31 anos de idade, conhecido como Nildinho, que trabalhava como motoboy e também foi internado na UTI do Hospital São Luiz.
E aos 40 anos, na madrugada da quinta-feira, 11 de março, a vítima foi Karlo Schneider, fã de vinil e dos Beatles, amante de rock e gerente geral do Hotel Thermas. Ele estava intubado na UTI do Hospital São Luiz.
São pessoas que até pouco tempo não entrariam na lista de grupo de risco na pandemia, cenário completamente alterado. Todos recordam dos relatos sobre os perígos do vírus aos mais idosos. Hoje, percebe-se a ação traiçoeira e sutil da Covid. Age em todas as faixas etárias. Vitima jovens com projetos e expectativas. O pior é saber que foram vítimas de uma doença que já se tem vacina, embora negligenciada no momento, sobremodo, oportuno. “Se a população estivesse vacinada em maior percentual, é pouco provável que nós estivéssemos sofrendo com a circulação de um novo vírus”, ressaltou o médico epidemiologista Ion de Andrade, em entrevista o G1, ao perceber este fenômeno do rejuvenescimento da pandemia no RN.
Por esta razão, os jovens precisam se preocupar. Os especialistas explicam que o jovem, em boa parte, se sente autossuficiente para enfrentar o vírus, Ou seja, seria incapaz de ficar acometido com gravidade na pandemia. Por esta razão, tende a se expor mais, aumentando os riscos. O infectologista Igor Queiroz relembra: “A gente vê que muitas das medidas preventivas passaram a ser desrespeitadas e foram relaxadas. Vimos no fim de ano, Natal, réveillon, veraneio, muitas aglomerações, especialmente dos jovens, onde a transmissão ocorreu com grande facilidade”.
Diante deste vírus tão mortal, que ceifa a juventude como se fossem moscas, a CPI da Covid busca entender as razões que nos levaram até aqui, a esta situação de morticínio incontrolável. São mais de 5.500 mortes no RN, mais de 410 mil no Brasil. Enquanto isso, a vacina não desembarca em quantidade a contento, a produção é lenta, o negacionismo se espraia no Palácio do Planalto e na explosão de insensatez, os estilhaços atingem a todos, inclusive os bem próximos de nós.