Fátima recua, mas Rosalba e Álvaro reabrem: por que a retomada virou oportunismo político?
A governadora está diante de um impasse. Nos dois pontos de maior contaminação e ocupação de leitos de UTIs do Estado, os seus prefeitos decidem negligenciar o Governo. Por que ocorre tal discordância em debate onde a vida deveria ser anteposta?
Até as pedras sabiam que o momento de flexibilizar a economia não era agora. A pressão de entidades empresariais conseguiram transpor os patamares antes delimitados pelo Governo para que as atividades fossem retomadas. Como se sabe, a governadora Fátima Bezerra trabalhava com a ideia de retomada gradual quando o nível de ocupação dos leitos alcançasse os 70%. Até ontem, estava em 92% apenas em Mossoró. Enfim, este nível nunca foi alcançado. Mesmo assim, cedeu à pressão e estabeleceu plano controverso que reabria a economia em três fases, concluídas ao cabo no final de julho. Mal percebeu a governadora que toda esta a pressão tinha motivações políticas, mais que econômicas até.
Contrariando parte do seu comitê científico, que chegou à cisão com a saída de dois integrantes renomados, atendeu ao pedido dos empresários e iniciou a adoção das fases. Pelo calendário de execução, estamos na Fase 1, permitindo o funcionamento de alguns setores de menor potencial de aglomeração. O período de 15 dias da fase seria monitorado em duas etapas, uma por semana. E como os índices de ocupação de UTIs e de casos não pararam de crescer, a governadora Fátima Bezerra decidiu se antecipar e não seguir adiante para a segunda etapa da primeira fase. Portanto, continua como está até segunda ordem.
Com esta decisão, serviços de alimentação de até 300m², estabelecimentos com até 600 m² e com “porta para a rua”, dos ramos de comércio de móveis, eletrodomésticos, lojas de departamento e magazines não localizados dentro de shopping centers ou centros comerciais, agências de turismo, comércio de calçados, comércio de brinquedos, artigos esportivos e de caça e pesca, de instrumentos musicais e acessórios, joalherias, artesanatos e comércio de cosméticos e perfumaria não poderão reabrir na quarta-feira (8) como antes previsto.
Havia expectativa por parte do Governo de que a instalação de mais de 72 leitos de UTI fosse capaz de reduzir a taxa de ocupação para menos de 80%. Não foi suficiente.
Havia expectativa por parte do Governo de que a instalação de mais de 72 leitos de UTI fosse capaz de reduzir a taxa de ocupação para menos de 80%. Não foi suficiente. “Essa é a razão pela qual nós estamos suspendendo essa segunda fase da retomada econômica”, disse a governadora em entrevista coletiva nesta terça-feira. Portanto, o fator principal do recuo foi o colapso iminente no sistema de saúde, coisa que, como sabemos, não tira o sono dos empresários.
Logo, grupo de nove entidade patronais reagiram, através de nota, com “misto de surpresa e decepção (pela) notícia de que o Plano de Retomada Gradual da Economia será interrompido pelo Governo do Estado” e garantiam que o retorno seguiria protocolos sanitários satisfatórios. Porém, o número dos leitos hospitais não engana e isso deve ser levado em consideração. Mesmo a nota dos empresários apelando para uma tal “melhora” sem fundamentação, conseguiu se amparar na decisão antagônica do prefeito de Natal, Álvaro Dias, que seguirá para a segunda fase, à revelia do Governo, escancarando as portas das lojas, duela a quien duela.
A prefeita Rosalba Ciarlini também não se comoveu com a quantidade de leitos ocupados e as filas que se formaram de pessoas em busca de atendimento. Como se não tivesse nada a ver com a saúde de seus conterrâneos, decidiu seguir a lógica que prioriza o lucro dos empresários sobre a vida. E emitiu nota que deixa bem claro: “A Prefeitura de Mossoró informa que mantém inalterado o plano municipal sobre a retomada dos segmentos do comércio e serviços na cidade. Com isso, amanhã, dia 08, segue o cronograma que contempla a fração 2 de reabertura”, diz.
Agora, Fátima está diante de um impasse. Nos dois pontos de maior contaminação e ocupação de leitos de UTIs do Estado, os seus prefeitos decidem negligenciar os termos do Governo. Por que ocorre tal discordância em debate onde a vida deveria ser anteposta? Bem, o critério maior para a decisão não considera este fator, mas o saldo político que toda desordem poderá proporcionar. Como desde o início, a pressão pela retomada tratava-se de projeto político.
Fátima aderiu ao movimento que, como já abordado neste site, é capaz de rifar o seu Governo. Sem o pulso necessário de antemão para impedir a retomada gradual, agora se vê refém de adversários políticos que olham para um RN prestes a incendiar-se. Os empresários, não necessariamente correndo por fora, são estimulados pelos interesses pecuniários e também políticos e, logo, respaldam. Fátima pode ficar isolada no ambiente que contribuiu para gerar. E seu isolamento custará a vida de muitos potiguares e caos no sistema de saúde, discurso que os opositores necessitam nestes tempos eleitorais. Quanto pior fica a situação, melhor será o argumento para jogar na conta do Estado e, sobretudo, nas costas da governadora.
Será preciso um amplo trabalho de ação para conter esta ofensiva política que recorre à vida de doentes em nome de capital político. A seu favor, Fátima tem três representações do Ministério Público, que podem apoiá-la em fortalecer a armadura dos que querem atentar contra a saúde pública. Também a seu favor, o uso das forças coercitivas que devem privilegiar a vida. Também tem o apoio do que sobrou do Comité Científico do RN e do Consórcio Nordeste. É preciso usar as armas que têm contra o oportunismo eleitoral. É coisa séria. E urgente.