Como a alta letalidade e a reabertura econômica racharam o comitê científico no RN?
O racha pode ser o início da implosão do comitê, que também se desvencilhou de recomendações do Consórcio Nordeste a fim de que o Governo aplicasse medidas opostas de isolamento mais rígido
Sim, a pandemia no Rio Grande do Norte está saindo do controle. A proposta de retomada gradual da economia, mera intenção para agradar às forças econômicas do Estado, está dividida em três fases rápidas e que se encerram no final do mês. Ou seja, até agosto, praticamente todos os serviços estarão abertos e as aglomerações, tão evidentes, tendem a deixar a situação da saúde pública ainda mais dramática.
A governadora Fátima Bezerra deixou claro que a retomada não é definitiva e pode ser revista a qualquer momento. A prefeita Rosalba Ciarlini, embora em menor intensidade, se alinhou a este discurso. Em todo caso, prevaleceu a pressão do dinheiro e a economia foi reaberta na semana passada. A questão que emerge neste início de semana é: em que o Governo se baseou para colocar em prática o plano de retomada?
Esta pergunta foi feita através de uma nota conjunta do Ministério Público Estadual, Federal e do Trabalho. O texto não apenas questiona, mas critica de forma incisiva a antecipação da reabertura da economia “sem respaldo de dados científicos consistentes”. E, em verdade, a nota está coberta de razão. Não houve consideração científica que pudesse permitir a quebra do isolamento, sobretudo quando os patamares elencados pelo Governo não foram respeitados pelo próprio, como a liberação após a ocupação de leitos alcançar patamares de 70% e o índice de transmissibilidade reduzir para menos de 1.
E o MP bate exatamete neste ponto: “As razões que justificaram a Recomendação Conjunta do MP no dia 23.06.2020 ainda persistem, exatamente porque a taxa de transmissão se mantém alta, a ocupação de leitos críticos é de 90% (noventa por cento) da capacidade e a fila de internação não foi reduzida de forma segura”.
O impressionante é que os promotores foram em busca de explicações do comitê científico e segundo o site Saiba Mais, ouviram que “não havia consenso no grupo sobre a retomada gradual da economia”. Quer dizer, não teve concordância para sugerir ao Governo tal medida, ação que vem custando caro em número de vítimas. O racha pode ser o início da implosão do comitê, que também se desvencilhou de recomendações do Consórcio Nordeste a fim de que o Governo adotasse ações opostas ao isolamento mais rígido.
A cisão do comitê foi motivada pela decisão do Governo do Estado de reabrir parte do comércio. Este foi o estopim. O infectologista Ion de Andrade e o professor de Física da UFRN José Dias do Nascimento Júnior não fazem mais parte do grupo e, mesmo evitando maiores polêmicas, a condução das políticas do comitê foram os motivos constantes das divergências. Os especialistas sabem que a decisão precipitada do Governo pode gerar consequências sérias.
Na quinta-feira (2) o comitê científico do Consórcio Nordeste, que também criticou a flexibilização no RN, foi destacado no documento do Ministério Público: “O Boletim número 09 do Comitê Científico de Combate ao coronavírus do Consórcio do Nordeste, de 02 de julho de 2020, reprova qualquer plano de reabertura da economia. Conforme relata o documento, há uma forte aceleração do processo de interiorização da pandemia em todo o Brasil, com possibilidade concreta de ocorrer o que foi designado como “efeito bumerangue”: o aumento de casos no interior do Estado, já percebidos nos boletins epidemiológicos diários do Rio Grande do Norte, gerará um inevitável deslocamento de pacientes em estado grave para capital”

A forte interiorização da pandemia no Brasil é um fenômeno que se espelha no Estado. O jornal Folha de S. Paulo destacou o tema em sua edição desta segunda-feira (6) publicou um gráfico em que demonstra claramente um arrefecimento no número de mortes na capital, enquanto no interior, o nível é acelerado. Sem falar que Mossoró está entre as cidades com alta contaminação de covid-19 no país, também segundo o próprio jornal.
O RN, com menor índice de contaminados no Nordeste, é, por outro lado, o terceiro em mortes. Com 1.246 mortes confirmadas até agora, tem a terceira maior taxa da região: 3,5%. As maiores taxas são dos Estados de Pernambuco (5.143 mortes e percentual de 7,9%) e Ceará (6.441 mortes e taxa de 5,3%).
O maior nível de ocupação de leitos está na região Oeste (97%), seguida da Metropolitana de Natal (85,2%), Seridó (82,7%), Pau dos Ferros (44%) e Mato Grande (37,5%).
Para tentar atenuar a situação, o Governo aproveitou a entrevista coletiva desta segunda-feira para afirmar que a fila de espera por UTI está “equilibrada”, algo a ser comemorado segundo as autoridades. No momento da coletiva havia os seguintes pacientes em fila: 22 pacientes para leitos críticos, 31 para leitos clínicos e 25 aguardando transporte. Nesta segunda-feira, a taxa geral de ocupação de leitos é de 84,3%. Dos 237 leitos críticos disponíveis, há 200 ocupados.
Mesmo com o “equilíbrio” apontado pelo Governo, há pacientes na fila e taxa de ocupação que supera os 70% antes ideais. E se considerar a região de Mossoró, a ocupação chega a 97%. Estas condições apresentadas parecem fazer sentido para um projeto de retomada econômica?