Vetos presidenciais, liberdade de imprensa e democracia
Medidas que desobrigam a publicação de editais violam a transparência
Jean Paul Prates, advogado e economista, é senador da República (PT-RN) e líder da minoria no Congresso Nacional
A liberdade de imprensa é um dos principais pilares da sociedade livre e democrática. Informação jornalística independente e sem censura garantem o exercício da cidadania. Atacar a imprensa afronta o próprio Estado democrático de Direito, assegurado pela Constituição. Infelizmente, essa parece ser a principal e mais frequente realização do presidente desde que tomou posse.
Nos dois primeiros anos de mandato, Jair Bolsonaro dirigiu ao menos um ataque à imprensa a cada três dias, de acordo com levantamento da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj). O desprezo pela imprensa livre ancora-se em medidas concretas: ofensas e ameaças a jornalistas, suspensão de assinaturas dos jornais pelos órgãos federais, ameaças de cassação da concessão da TV Globo e sucessivas tentativas de acabar com a publicidade oficial em jornais e revistas.
Em abril de 2019, o presidente Jair Bolsonaro defendeu a “liberdade de expressão” como “direito legítimo e inviolável”, no entanto, acumula ataques à imprensa e a jornalistas. Pedro Ladeira/Folhapress
A última agressão se deu na sanção da Nova Lei de Licitações e Contratos, com os vetos 13.16 e 13.27, que tratam da publicidade legal. O primeiro retira a obrigatoriedade de publicação dos extratos dos editais das licitações nos jornais de grande circulação. O segundo estabelece que os municípios só precisam publicar os extratos em veículos de grande circulação local até dezembro de 2023. As informações passariam a ser publicadas no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), que sequer foi criado.
A medida viola o princípio constitucional da publicidade e do dever de transparência. Pequenos e médios empresários dificilmente poderão monitorar o portal, o que poderá fazer com que as grandes empresas ganhem licitações locais e regionais, em detrimento das pequenas, que geram empregos na própria região.
“A Folha de S.Paulo é a maior fake news do Brasil”, disse o presidente Jair Bolsonaro, em uma transmissão ao vivo transmitida em telões na avenida Paulista. A fala foi feita uma semana antes do segundo turno da eleição de 2018, que acabou por elegê-lo Divulgação
Compras governamentais representam 12% do PIB brasileiro e, por isso, é fundamental que as licitações sejam transparentes e amplamente divulgadas para assegurar a competitividade e o controle social sobre as contas públicas.
Os vetos do presidente não são apenas um ataque à transparência do governo, mas podem também representar o fechamento de pequenos jornais. Hoje, entre 50% e 70% das receitas dos pequenos jornais, e parcela expressiva das receitas dos grandes, vêm da publicidade legal.
Pôster com montagem do presidente da Rússia, Vladimir Putin; ONG faz campanha pela imprensa, o slogan deste ano é “sem liberdade de informação, nenhum contra-poder” Benoit Tessier
Os vetos presidenciais ferem de morte a liberdade de expressão, pois como bem disse a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) em nota pública, “não existe liberdade de imprensa se os próprios veículos deixarem de existir”. Ademais, quanto menor a autonomia financeira, mais suscetíveis os veículos ficam a pressões políticas.
Por isso, defendo junto aos líderes do Congresso Nacional que essa agressão à imprensa livre exige uma resposta firme do Parlamento, com a derrubada dos dois vetos.
Em vez de gastar tanta energia política para atacar a imprensa, o presidente da República deveria estar trabalhando para salvar vidas dos brasileiros, ameaçadas pela pandemia.