Quais os temores da reabertura econômica no dia em que o RN conta mil mortes?
Uma terça-feira emblemática, quando o Estado conta seus mortos, 1034 ao todo. E que ainda marca a reabertura econômica em um dos momentos mais brutais enfrentados pelo Estado em tão pouco tempo. Em Mossoró, a prefeita Rosalba Ciarlini acompanha a governadora Fátima Bezerra, e reabre lojas e o Mercado Central
Imagine que cinco aviões A320 caíram no RN nestes últimos meses, sem deixar sobreviventes. Inegavelmente é uma tragédia. Talvez isso possa dar a dimensão do que alcançamos no Estado enquanto se discutem flexibilizar o isolamento diante de um vírus comprovadamente mortal. E espero que a comparação sirva para te conectar à proporção de desastre semelhante e o que isso pode significar. A comparação deve gerar reflexão, não a mera atenção pelo inusitado. Deve proporcionar empatia porque cinco aeronaves A320, com capacidade para transportar 200 pessoas cada, representam a quantidade de mortos que o RN alcançou hoje, vítimas do coronavírus.
Mil mortos. Ou melhor, 1.034. Dos cinco aviões que caíram no RN, um deles representa as 241 pessoas que morreram na fila de espera por um leito. Morreram se sequer ter direito ao atendimento. O número de infectados é de 30.010, além de outros 43.427 casos suspeitos. Sem dúvida é a mais brutal mortantade de potiguares em tão pouco tempo neste século, a pandemia que ainda não acabou, no entanto, é encarada como se tivesse passado.
Esta terça-feira (30), o dia que marca os mil mortos (ou os cinco aviões cheios de potiguares), é a véspera da vitória da pressão econômica. O comércio será reaberto a partir desta quarta-feira (1), o que certamente pressupõe mais contaminados e mortes. Já não há mais a preocupação com o vírus como antes e mil mortes parecem não chocar. Há até quem diz que só sai de casa quem quiser. Sim, e se forem estimulados mais ainda. E se ficarem doentes, desembocarão no sobrecarregado sistema de saúde pública.
A Secretaria Estadual de Saúde informou nesta terça-feira que o percentual de ocupação de leitos de UTI no RN é de 93%, muito superior ao parâmetro de 70% proposto pelo Governo para que a reabertura econômica fosse cogitada. Entretanto, não deu para segurar, como em texto publicado neste site. Este parâmetro foi deixado de lado. Imagine, então, como ficará a situação da região Oeste, com 96,5% de ocupação? Como ficará a Região Metropolitana, com 94,9% dos leitos ocupados? Apenas o Seridó pode respirar: 72,4%, segundo dados do Regula RN.
A prefeita Rosalba Ciarlini reforçou a dose nesta terça-feira emblemática e chegou a atender um pedido feito pelo vereador Alex Moacir, em sessão na Câmara Municipal, na semana passada. Vai reabrir o Mercado Central, com restrições, além de outras atividades comerciais, em consonância com as decisões de Fátima. Para isso, não houve qualquer desarmonia como em decretos anteriores que endureciam o isolamento.
A governadora Fátima Bezerra amanheceu o dia buscando dar satisfação da atitude controversa que tomou. Para compensar os formigueiros que se formarão a partir desta quarta-feira, consequência da abertura das porteiras, afirmou que vai instalar mais 62 leitos de UTI nos próximos 15 dias, esperando alcançar níveis menores de ocupação de leitos, algo em torno de 80%, ainda acima dos parâmetros iniciais.
Com tudo livre, leve e solto, a governadora Fátima Bezerra promete o que não conseguiu com os decretos anteriores, nem com este que se encerra, tido como o mais rígido. “O Governo do Estado será rigoroso na fiscalização para o cumprimento do decreto, no que diz respeito aos protocolos sanitários que as empresas terão que seguir fielmente para que ela possam desenvolver suas atividades”, afirmou a governadora. Sabemos que não dependerá apenas do Governo, mas ela terá uma luta difícil frente a alguns prefeitos e empresários que farão uso político do caos para que recaia em suas costas. A falta de conscientização de parcela da sociedade é outro ingrediente adicionado.
Fátima acredita que as medidas de reabertura no auge da milésima morte surtirão o efeito desejado desde que seja observada a segurança que o momento pede. Torcemos que sim, afinal, a impaciência, a desesperança e o desemprego estão às portas. E, por sinal, esta impaciência já bateu às portas do Governo, que não quis esperar a redução da ocupação dos leitos. A reabertura econômica foi vista como única prioridade neste momento e que saídas paliativas fossem adotadas para garanti-la. Novas vítimas serão efeito colateral deste processo.
“Vamos requisitar leitos da rede privada. Já autorizei para que se entrasse em contato com os donos de hospitais. Vamos pedir para que os leitos Covid não sejam desmobilizados para contratar mais leitos da iniciativa privada, como já foi feito com os hospitais Memorial e Rio Grande”, ressaltou a governadora, que, como colocado, está ciente que recorrerá rapidamente à estrutura que solicita.
O jornalista Rafael Duarte, da Agência Saiba Mais, lembrou que a maioria dos estados que decidiu flexibilizar as medidas de distanciamento social e reabrir o comércio voltou atrás em razão do aumento dos índices de óbitos e contaminados por Covid-19. Só tomara que não precisemos contar mais aviões.