Por que o transporte coletivo é um problema crônico em Mossoró?
Dos 17 itinerários oferecidos pela Cidade do Sol, ainda subistem três. A empresa resiste a um problema crítico no Município, que começou com ênfase nos anos 90, e que hoje enfrenta concorrentes como os aplicativos, transportes irregulares e a falta de estímulo para o uso do sistema
Por William Robson
Quem mora em Mossoró há bastante tempo vai lembrar dos ônibus verdinhos da Transal/Santa Luzia. As linhas atendiam toda a cidade. Claro, o município era bem menor se comparado às dimensões atuais. Estamos falando dos anos 80, a tal década perdida, onde os meios de locomoção do mossoroense ofereciam poucas alternativas.
Naquele período, Mossoró também era conhecida como a “cidade das bicicletas”. Lembro, meados dos anos 90, ter produzido uma reportagem especial sobre este tema. A magrela era o que estava ao alcance do mossoroense com recursos parcos em meio ao alto preço dos veículos motorizados. Ou seja, a bicicleta, como meio de transporte muito mais que meio para prática esportiva de hoje. E as opções, portanto, se alternavam entre ela e o transporte coletivo.
Parecia que o sistema de ônibus naquela época funcionava a contento. As linhas atendiam todos os quadrantes da cidade. Havia uma em especial, a Circular, que, como o nome sugere, estabelecia um passeio completo por Mossoró. Sem falar em coletivos como o Alto do Xerém, Boa Vista, Alto da Conceição só para apontar a quantidade de oferta apenas para a zona sul.
O tempo foi passando, o Real entrou como moeda e a inflação foi estabilizada. O mossoroernse passou a ter mais condições para comprar uma moto ou um carrinho. A sensação de ter o próprio transporte motorizado era de liberdade e também de sucesso. Afinal, ter uma moto significava que estava progredindo. Os financiamentos também facilitavam a aquisição. Marcas, além da tradicional Honda, se estabeleceram por aqui. Entre elas, a Daelim, que oferecia crédito até em troca de galinha. O mercado, enfim, estava aquecido.
Logo, Mossoró deixava de ser a cidade das bicicleta para passar a deter o status da “cidade das motocicletas”. Eram tantas a ponto de ganhar destaque na mídia nacional. Com cada mossoroense movido a duas rodas, o abalo no sistema de transporte coletivo seria uma previsão fácil de estabelecer. Dos anos 90 para cá, andar de ônibus em Mossoró se torna rarefeito e o sistema de linhas vai entrando em colapso.
Quem dependia do sistema de coletivos em Mossoró começou a perceber atrasos, frotas antigas e áreas não atendidas no itinerário. Um estímulo para aderir às motos. O efeito cíclico gerou consequências piores para o sistema que precisa existir para atender a exigência constitucional. Segundo a Constituição, compete aos municípios organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, o serviço de transporte público coletivo.
Mossoró está entre as cidades que mantêm ônibus no Brasil. Na Pesquisa de Informações Básicas Municipais, do IBGE, o transporte coletivo está presente em apenas 2.114 dos 5.565 municípios, 38% do total. Porém, junto com este benefício para a população, uma questão extremamente complexa acompanha.
O então prefeito Francisco José Júnior entrou de cara para amenizar o problema dos ônibus na cidade. Conseguiu oferecer uma concessão para a empresa BR Buss, que iniciou suas atividades em Mossoró com frota que, costumeiramente, apresentava defeitos. Prato cheio para a oposição na época, que passava o dia perseguindo os ônibus a espera que enguiçasse. Por outro lado, a empresa não cumpriu o contrato de 180 dias de operação. Encerrou as atividades antes e os motoristas entraram em greve por conta de salários atrasados em agosto de 2015.
No frigir dos ovos, a empresa foi embora. Mossoró foi atendida unicamente pela empresa Cidade do Sol, que se propõe a oferecer carros novos, itinerário baseado em aplicativos e atendimento na cidade. O serviço vem sofrendo com a queda de passageiros agravada pela pandemia.
“Vivemos a maior crise sanitária e econômica do país. A pandemia nos atingiu em cheio e estamos adequando a operação para manter o serviço, mesmo com todas as dificuldades. Perdemos mais de 90% dos passageiros desde 2020, e, mesmo reduzindo as linhas, no ano passado, mantivemos os empregos de todos os colaboradores, mas, infelizmente, precisamos enxugar o quadro. Esperamos que tudo isso passe para que voltemos ao patamar de excelência do serviço que mantínhamos antes da pandemia, aprovado por 87% dos clientes da empresa”, destaca diretor da empresa, Waldemar Araújo.
Dos 17 itinerários oferecidos pela Cidade do Sol, ainda resistem três. Desde meados do ano passado, o serviço opera com as linhas de maior fluxo, ou seja, Abolição, Nova Vida e Vingt Rosado. Segundo a assessoria de imprensa, estas linhas transportam cerca de 90% do total de passageiros transportados na cidade. Isso demonstra bem a crise e a falta de estímulo para que o mossoroense possa confiar e utilizar o transporte coletivo.
Há saída para a crise? A empresa sugere: o Poder Público apoiar iniciativas para que o transporte coletivo em Mossoró avance dentro de um planejamento pensado para a mobilidade urbana, além do fortalecimento da economia.
Pensar a mobilidade significa ampliar rotas especiais para ônibus para garantir que sejam mais ágeis, estimular a cobrança da zona azul no Centro da cidade, desincentivar a “carrocracia”, reduzindo faixas para automóveis, observar a circulação de transporte irregular, oferecer tarifas atrativas e que possam concorrer com sistema de aplicativos como Uber e 99, e garantir segurança, conforto e pontualidade para quem for pegar um ônibus. A relação do mossoroense com o transporte coletivo, mais do que nunca, é de retomada da confiança notada há alguns anos.