Farinha pouca, meu pirão primeiro

Por que o RN já figura entre os cinco Estados com fura-filas na vacinação?

Um dos fura-filas emblemáticos no Estado é o engenheiro de computação Bruno Samuel da Silva Corrêa, que ocupa o cargo de chefe de setor de informática, em Natal, e a tentativa frustrada do prefeito Álvaro Dias

Por William Robson

“Farinha pouca, meu pirão primeiro”. Sabemos que a quantidade de vacinas encaminhadas para o Rio Grande do Norte está longe de ser a ideal para imunizar a população de cerca de  3,5 milhões de habitantes. 82,4 mil doses da Coronavac não atendem sequer ao grupo prioritário definido pelo protocolo nacional.

Deste grupo, os profissionais de saúde, aqueles que estão na linha de frente no combate à Covid-19, devem ter preferência. Porém, como imaginávamos, a interferência política faz surgir a figura dos fura-filas, pessoas que não atendem aos requisitos necessários neste primeiro momento da vacinação iniciada na quarta-feira (20), mas que querem a vacina mesmo assim.

Um dos fura-filas emblemáticos no Estado é o engenheiro de computação Bruno Samuel da Silva Corrêa (foto em destaque), que ocupa o cargo de chefe de setor de informática da Secretaria Municipal de Trabalho e Assistência Social de Natal (Semtas), em Natal. Como sabemos, profissionais da informática não entram na primeira fase, mas ele se mostrou faceiro e demonstrou seu “orgulho” nas redes sociais em desvirtuar os critérios.  Postou o momento em que furava a fila, passando por cima dos idosos, médicos,  enfermeiros… “Voluntário do programa municipal de vacinação”, publicou. Porém, logo em seguida, às 12h20, apagou a postagem. A atitude insensível já havia sido tomada e captada.

O  Sindicato dos Servidores Públicos do Município de Natal (Sinsenat) afirmou que vai fazer uma denúncia ao Ministério Público. Além do caso de Bruno Samuel, há registros de imunização de outros servidores da Prefeitura de Natal não enquadrados na prioridade. E mesmo a Secretaria de Saúde reconhecendo o atropelo, referindo-se como “equívoco”, as redes sociais dos envolvidos estampavam fotos e mais fotos da imunização indevida. “Esse equívoco já foi sanado, uma vez que de acordo que o Ministério da Saúde é para vacinar os envolvidos na ação, porém devido a pequena quantidade de doses recebidas, neste momento Natal não vai vacinar os envolvidos”, disse a nota da secretaria.

O prefeito de Natal, Álvaro Dias, vacina enfermeira após a reperucssão negativa de tentar furar a fila

Natal tem sido palco especial de furas-filas e alvo do olhar do Ministério Público. O prefeito Álvaro Dias, que enfrentou a pandemia na capital como o mesmo desdém do presidente Jair Bolsonaro, prescrevia cloroquina e Ivermectina para a sua população, na intenção de implodir o isolamento social e atender aos interesses econômicos. Não hesitou ao receber o lote das vacinas e se colocou como o primeiro a ser imunizado na capital. Alegou que era médico. Sim, mas de fora da linha de frente. A pressão o fez recuar da decisão. Apareceu em fotos vacinando a técnica de enfermagem Ednalda Maria da Silva, 54 anos, da Unidade de Pronto Atendimento.

Mesmo assim, não perdeu a oportunidade de ironizar: “Tendo em vista que alguns grupos procuraram distorcer a disponibilidade que tivemos em ser os primeiros a dar esse exemplo, nós decidimos repensar. Eu estou protegido porque tomo a Ivermectina”, referindo-se ao fármaco sem qualquer eficácia comprovada.

Servidores da Prfefeitura de Natal, durante imunização, fora do grupo de prioritários

O exemplo de Álvaro Dias estimulou outros da estirpe. No panorama de escassez de imunizantes, o que se vê no momento é a reação primitiva de um “salva-se quem puder” insano. “As denúncias recebidas comprovam o questionamento feito pelas entidades sindicais sobre esse formato escolhido pela prefeitura. Por que não vacinar as pessoas nos locais de trabalho? A quem interessa isso?”, pergunta a coordenadora do Sinsenat, Soraya Godeiro. Quem garante que a voracidade insensível destas pessoas não se mantém às escondidas, longe das redes sociais? Vale ressaltar que a capital recebeu irrisórias 12.235 doses para esta primeira etapa.

O RN já figura na lista de cinco Estados brasileiros com sinais de interferência política grave na vacinação, além do Amazonas, Pernambuco, Piauí e Sergipe, segundo o jornal O Globo. São gestores que se assemelham a Álvaro Dias ao tentarem driblar os critérios oficiais de imunização, em busca de benefício próprio ou capitalização política.

Para justificar a vacinação do técnico de informática citado acima, a nota da Prefeitura de Natal explicou que o procedimento tinha “respaldo legal e institucional”. Mas, que vai atender ao informe técnico do Ministério da Saúde de agora em diante. Ou seja, o “se colar, colou” não teve sucesso. “A respeito de notícias sobre a vacinação de servidores públicos municipais, é necessário esclarecer que são integrantes das equipes envolvidas diretamente na campanha de imunização contra a Covid-19. O Informe Técnico emitido pelo Ministério da Saúde na última segunda-feira (18) até recomenda a imunização desse público”, abre a nota.

Assim, nesta guerra da vacina, aqueles que lutaram contra são os primeiros a passarem por cima de todos. O Ministério Público do Rio Grande do Norte (MPRN) irá apurar todos os casos daqueles que expuseram a sua falta de empatia, de  respeito aos que estão na luta diária nos hospitais, e de senso comunitário.