Trama

Os elementos do projeto golpista de Bolsonaro

O mandato de Bolsonaro fermentou a possibilidade de implementação de um governo autocrático

Ilustração: O Globo

Por William Robson

A retórica beligerante do ex-presidente Bolsonaro e que insuflava seus admiradores fazia parte de uma conexão. Até ali, ninguém levava a sério e acreditava se tratar de bravatas de um líder insano, adorador da ditadura e dos militares. Vociferar contra os ministros do STF, a cada oportunidade, também integrava este conjunto de elementos descortinado com os ataques aos prédios da República em 8 de janeiro.

O mandato de Bolsonaro fermentou a possibilidade de implementação de um governo autocrático. No entanto, não imaginava-se que ele realmente levaria suas intenções adiante. Usava termos como “as quatro linhas da Constituição” numa indo e vindo ameaça. O Brasil sentia-se atônito e, ao mesmo tempo, acuado, como se aguardasse o que ele seria capaz de fazer. Em muitos momentos, testou as estruturas democráticas e foi avançando.

O último ano de gestão Bolsonaro também foi o mais tenso. Bolsonaristas já estariam mentalmente dominados, seu grupo transformara-se em seita e o perfil contendor foi incrementado com armas jogadas aos milhares sob o pretexto de Cacs. Assim, uma milícia paramilitar começava agir, montada estrategicamente, para missões que estariam prestes a serem executadas.

Não se imaginava que antes mesmo das eleições, conspirações, minutas de golpe corriam soltas no bolsonarismo e na República. Até o dia das eleições, quando muitos eleitores (sobremodo no Nordeste) foram impedidos de chegarem às urnas pela PRF, até o questionamento delas pelo PL, o projeto de golpe seguia em andamento. Não era algo isolado. Era um intuito generalizado de quem não aceitaria a vitória do presidente Lula.

Após o resultado, o impeto bolsonarista não cessa. Estrutura um ensaio geral em dezembro, quando ateia fogo em veículos em Brasília e, no mês seguinte e com o aval de servidores e militares bolsonaristas a serviço do golpe, avança para a destruição dos prédios dos três poderes, o momento tido como o ápice da intentona golpista.

Enquanto isso, os acampamentos diante dos quarteis espraiavam-se pelo país. Não eram pacíficos. Eram laboratórios para o golpe. Financiadores e executores sabiam do que estava em curso. E culminaram com o golpe consolidado, embora frustrado. Como resultado,  destruição incalculárvel e centenas presos. Outros aguardam sua vez, entre eles, grandes autoridades da República que subscreveram tais atos. Bolsonaro entra na fila.

As declarações recentes do senador Marcos do Val sobre o complô, ao lado do ex-deputado Daniel Silveira e do então presidente Bolsonaro, a fim  de comprometer o ministro Alexandre de Moraes e anular as eleições apontam que a ruptura democrática sempre esteve no radar bolsonarista. A minuta do golpe, presente em todos os lugares, como afirmou Valdemar da Costa Neto, ajuda a entender o processo.

Os personagens deste projeto estão, um a um, sendo revelados. E tal qual uma quadrilha desbaratada, seus integrantes expõem os detalhes sórdidos da trama. O “patriota” Bolsonaro sabe o que o aguarda, mas agora alega que é cidadão italiano. Para este povo, o Brasil nunca esteve acima de tudo mesmo.