O que eu sei sobre Canindé Queiroz
Quem conviveu com Canindé, sabe que existiram duas figuras distintas: a destemida da coluna diária e a sensível do convívio
Por William Robson
Na manhã do dia 7 de abril de 2022, data em que se celebra o Dia do Jornalista, tomo conhecimento da morte do jornalista Canindé Queiroz. Parte da minha vida jornalística foi ao lado dele, em diversas situações: como repórter, editor em vários segmentos, editor-assistente e diretor de redação do seu jornal, a Gazeta do Oeste. Não tenho como me dissociar da figura impressionante de Canindé. Inclusive, a Gazeta, que costumávamos grifar com letras maiúsculas (GAZETA), e vou continuar, foi minha primeira experiência enquanto profissional. Escola onde convivi também com outros grandes jornalistas.
A GAZETA se notabilizou por ser o “jornal de Canindé” e, ao mesmo tempo, por consolidar-se como relevante central de informações da sociedade mossoroense. Na página 5 do seu jornal, fundado em 1977, estava a coluna “Penso, Logo…”. Canindé abordava os mais diversos temas, em escrita elegante e recheada por seu conhecimento intelectual notável. A política era o carro-chefe do espaço de meia página na vertical que ocupava. E de lá saíram muitas polêmicas também, como a famosa coluna agredindo as freiras do Colégio Sagrado Coração de Maria. Não poupava nos palavrões e nos apelidos pejorativos contra aqueles que o contrariavam.
Estes episódios não foram suficientes para atenuar a façanha de Canindé em oferecer a Mossoró um jornalismo forte. E de oferecer a oportunidade a jovens que gostariam de seguir nesta atividade, antes mesmo do surgimento da faculdade de jornalismo. Cheguei na GAZETA em 1995, através de sugestão do jornalista Emerson Linhares, que deixara o diário e onde editava o caderno de cultura. Como já colaborava com o jornal, através de artigos sobre música e cinema, fui convidado. O editor-geral na época era o Pedro Carlos. E, com poucos dias de trabalho, deslumbrado e feliz, eu, com pouco mais de 20 anos, fui apresentado para Canindé Queiroz.
Quem conviveu com Canindé, sabe que existiam duas figuras distintas: a destemida da coluna diária e a sensível do convívio. Não admitia que ninguém agredisse os seus jornalistas. Era brincalhão e atencioso com todos. Preocupado com os problemas de cada um. E sempre companheiro de dona Maria Emília. Mas, também exigia dedicação quase que exclusiva à GAZETA, coisa que todos faziam sem maiores dificuldades, afinal, a gente adorava aquilo tudo. Ás vezes, lembrava muito o Assis Chateaubriand, na biografia do Fernando Morais. “Chatô, o Rei do Brasil”, aliás, era um dos livros preferidos do jornalista.
Enquanto fui editor, entre 2000 e 2002, tive convivência direta com ele. Aprendi muito observando as conversas, estratégias, perspicácia e discernimento de Canindé sobre os temas locais, sobremodo, os políticos. Constantemente recebia visitas em seu gabinete, onde eu, já na condição de editor-geral, passava boa parte do tempo discutindo os rumos do jornal, detalhes gráficos e linha editorial. Ele estava sempre entusiasmado e apostava em toda novidade que eu trazia dos congressos que participava pelo país. Orgulhava de sua equipe e de ter, segundo ele, “o melhor jornalista de política do RN” na época, o Carlos Santos.
Governadores, prefeitos, senadores, artistas nacionalmente conhecidos, jornalistas renomados, religiosos, ativistas, todos tinham de passar pelo escritório de Canindé Queiroz, caso pisassem na Terra de Santa Luzia. A influência de Canindé, num mundo sem internet, era imensa. O que ele publicava em sua coluna, ganhava repercussão instantânea e absurda, que estremecia a cidade, a ponto de provocar inveja aos melhores digital influencers atuais. A força de sua máquina de escrever espraiava pelo Estado.
Os anos 90 e início dos anos 2000 foram os mais emblemáticos para a GAZETA e para Canindé. Desafiador também, porque a internet estava começando e modificando as estruturas do jornalismo. Lembro que conseguimos transpor a GAZETA para a web, quando Canindé foi terminantemente contra. Ele não queria, mas apoiava. Depois, se rendeu. Mostrava-se encantando com a possibilidade de acessar bibliotecas antes inescrutáveis.
Foi neste período que o jornal foi segmentado. Até então, era um caderno apenas, de pouco mais de 20 páginas. Convencemos Canindé de que o período exigia que atendêssemos a públicos variados. Ele aceitou, na condição de que sua coluna não deixasse a “página 5 do primeiro caderno”. E assim aconteceu. Este espaço ficou tão marcado que outros jornalistas se espelharam e escolheram a página 5 como referência para as suas colunas. O que fazia a diferença não era só o espaço, mas o conteúdo também.
Este período foi marcante ainda pela qualidade da equipe que inovou no jornalismo impresso da época. De Esdras Marchezan a Ivonete de Paula. De Carlos Santos a Dorian Jorge Freire. De Julierme Torres a Paulo Linhares… Foram muitos. Sem falar de nomes do passado igualmente importantes, como Kleber Barros, Emery Costa, Milton Marques, Nilo Santos, Phabiano Santos, Renato Severiano, Gutemberg Moura, só para citar alguns.
Canindé estava sempre presente na redação e na diagramação, onde costumava brincar com todos da equipe, como Abel Rodrigues, Galdino, José Ferreira. À noite, escrevia a sua coluna, martelando a sua Olivetti. Praticamente, fechava o jornal, ao lado de Ferreira e o revisor. Muitas vezes, entrava a madrugada com a gráfica esperando apenas as suas notas. Do originao, Canindé lia e relia por muitas vezes, riscando expressões e acrescentando trechos com caneta. Depois, Ferreira passava tudo para o computador e, enfim, para a impressão.
E inegável a contribuição de Canindé Queiroz para o jornalismo mossoroense. Com a GAZETA e o “vetusto O Mossoroense”, como costumava se refererir ao jornal centenário de nossa cidade, o jornalismo local se transformou. Tudo o que vemos hoje tem a parcela valiosa de Canindé Queiroz.
A geração de jornalistas formada na GAZETA aprendeu com Canindé. Sua escrita, a forma de fazer jornal, os incentivos, as críticas e os conselhos que extrapolavam a redação. A GAZETA encerrou suas atividades em 2016, após 38 anos de atuação, jornal que se confundiu com a vida de Canindé.
Como o jornalismo não é, mas está sendo (parafraseando Paulo Freire), em Mossoró, ele segue o espírito do fundador da GAZETA.
Abril sempre foi um mês que esperávamos com expectativa na redação pelo aniversáio do seu jornal. Este mês agora se eterniza celebrando o jornalismo, a GAZETA e Canindé Queiroz. E, por isso, sempre estará vivo!