Dilemas da pandemia

O que está por trás dos temores de Fátima em adotar o lockdown?

Acontece que decretar o lockdown não é apenas assinar um papel e dizer: “Pronto,  todo mundo fica em casa, fecha tudo e vamos aguardar”. Há pressões de todos os lados. Os profissionais de saúde é um deles. Os empresários, outro. A população, também.

Se tem uma categoria realmente preocupada com o isolamento social é a dos profissionais da saúde. E não estamos falando de mandar avisos de “fique em casa” ou “lave as mãos”, recomendações básicas neste momento. O Sindisaúde, o sindicato que representa estes trabalhadores, parte para ações na Justiça tanto em Natal, quanto em Mossoró. A situação está crítica e são eles que estão na linha de frente.

Há razão para tais ações na Justiça: a iminência de colapso no sistema de saúde. O número de infectados e doentes cresce em escala desproporcional ao de leitos. A conta não fecha, as filas já se formam e novos pacientes não param de abarrotar os hospitais do Estado.

Qual a solução que os profissionais de saúde sugerem? Que seja urgentemente decretado o lockdown, o isolamento mais severo, que permite a circulação de pessoas somente em casos realmente de extrema necessidade. Eles acreditam que se todos estiverem compulsoriamente em casa, a curva tenderá a se achatar e haverá maior fôlego na estrutura de saúde pública, garantindo atendimento e o socorro à vida dos pacientes.

Acontece que decretar o lockdown não é apenas assinar um papel e dizer: “Pronto,  todo mundo fica em casa, fecha tudo e vamos aguardar”. Há pressões de todos os lados. Os profissionais de saúde é um deles. Os empresários, outro. A população, também. Como buscar o consenso? Cabem à governadora Fátima Bezerra e à prefeita Rosalba Ciarlini tentarem a equivalência, o que parece luta hercúlea.

Se a situação não é fácil, inclua ainda a Procuradoria Geral do Município de Natal, que pediu a extinção da ação do Sindisaúde por considerá-lo ilegítimo a reivindicar o tema. Adicione a contenda entre o coordenador do Laboratório de Inovação Tecnológica da UFRN Ricardo Valentim, e o coordenador do comitê científico do Consórcio Nordeste, Miguel Nicolelis.

Nicolelis recomenda que o estágio de lockdown seja aplicado em todos os Estados da região, o que Valentim discorda, alegando que não se pode tomar “decisões generalistas para todo o Nordeste”. A questão resultou no desligamento de Valentim do comitê científico. Ele afirmou que pediu desligamento sob o argumento de que o consórcio não ouve os Estados. Nicolelis, por sua vez, garante que ele foi “formalmente desligado do referido comitê após ofício encaminhado a Exma. governadora do Estado, Sra. Maria de Fátima Bezerra”. Não se sabe quem tem a razão. A única certeza é que o lockdown pesou na discórdia.

No entanto, Valentim já vinha reforçando o discurso do próprio do Governo nas políticas de enfrentamento e sua saída do consórcio não significará grandes mudanças neste sentido. Antes de sair ou ser desligado, o coordenador da Lais concedeu entrevista à Tribuna do Norte, e, em nome do governo, afirmou que o lockdown trata-se de “medida radical”.

Além disso, outros representantes do Governo acreditam que as pessoas vão, por elas mesmas, colocar a mão na consciência e perceber que precisam ficar em casa (cá enre nós, é muito otimismo e inocência acreditar nisso).

DUPLA PRESSÃO

A governadora Fátima Bezerra, na verdade, sabe que os níveis de isolamento no Estado estão em queda. Mossoró, por exemplo, não há isolamento efetivo. Neste assunto, ela convive com uma dupla pressão: a política e a econômica. E em ambas, estará agradando seus adversários e pagando a conta em seguida.

O lockdown é rechaçado pelos empresários e pela Fiern, a federação indústrias do RN, que vem garantindo apoio ao Governo. Fechar tudo significa menos lucro, mesmo que para isso, a vida dos potiguares esteja sob risco. Se Fátima olhar para a saúde do seu povo em detrimento do bolso dos industriais, corre o risco de perder este apoio,  consequentemente fragilizar e comprometer o governo.

Por outro lado, se considerar o lockdown, atropelando os interesses dos empresários, terá de agir com mão de ferro. A polícia precisará estar na rua, o trabalho de repressão deverá ser atuante, pessoas serão multadas, autuadas, presas… A governadora poderia ser taxada de “ditadora”, como outros governadores o  são ao adotar tal procedimento. Vidas seriam poupadas, os hospitais respirariam aliviados e o Governo teria tempo de acompanhar os novos atendimentos. Que risco a governadora está disposta a correr?

Diante destes temores, a governadora tem optado por não adotar o lockdown. Enquanto espera, de Mossoró vem nova pressão. A juíza Kátia Cristina Guedes Dias, da 2ª Vara da Fazenda Pública,  conta 72 horas para que tanto a Prefeitura de Mossoró quanto Governo do RN se manifestem sobre o bloqueio total solicitado pelo Sindisaúde. Fátima vai aguardar a consciência dos potiguares e dos empresários pelo isolamento voluntário diante de iminente falência no sistema? O que deve pesar neste momento: as vidas em jogo ou as consequências políticas da atitude?