Fotojornalista da Folha explica processo de criação de imagem
A técnica de múltipla exposição é vastamente usada no fotojornalismo e existe desde o analógico, diz
Depois de cobrir a violenta invasão golpista de 8 de janeiro, em Brasília, em que a democracia e os edifícios que representam os Poderes ficaram feridos, ver a vida voltando ao normal no Palácio do Planalto é um privilégio. Assim como ver suas cicatrizes.
Nesta quarta (18), na cobertura do evento do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no Salão Nobre com as centrais sindicais, entre cartazes que repudiavam a anistia e pediam “punição aos fascistas”, os trincos nos vidros gritavam.
Ao ver o Palácio ferido e a vida acontecendo normalmente, refleti sobre qual seria a melhor forma de traduzir o que eu estava sentindo —fotojornalismo não é só registro, é também tradução do ambiente, no caso, do ambiente político —e pensei nessa técnica antiga de dupla exposição.
Apontei a câmera para os trincos do Palácio e depois para o presidente que estava no andar de baixo. Esperei. Esperei por uma expressão que simbolizasse aquilo que eu estava lendo: o Palácio resiste.
O presidente ajeitou a gravata e fiz o segundo clique. Duas realidades, separadas por cerca de 30 metros, mas que já existiam no simbolismo que o fotojornalismo permite, se juntaram na minha câmera
A foto única trouxe sentimentos ambíguos e leituras diferentes; a meu ver, todos válidos. Há quem veja um presidente derrotado e morto, vítima da violência, há quem veja um poder inabalável, reconstrução, blindagem, resistência, entre muitas outras interpretações.