As peças de uma trama golpista estarrecedora
O relatório da PF destaca que todos estes elementos se deram em harmonia. Foram núcleos construídos com funcionalidades diversas, mas com objetivo único: promover o golpe de Estado
Por William Robson
As peças pareciam não fazer sentido. Idiotas úteis acampados em frente aos quarteis, minuta golpista encontrada na residência do ministro da Justiça, a onda de desinformação, as súplicas de Bolsonaro para que os brasileiros deem a vida pelo país, a fuga de Anderson Torres no 8 de janeiro, as joias interceptadas, o relógio negociado nos Estados Unidos, a temporada de Bolsonaro no exterior… Tudo estava conectado. E só foi possível compreender após a Polícia Federal montar todo este quebra-cabeça estarrecedor, que incluía plano de assassinar o presidente eleito Lula, o vice Geraldo Alckmin e o ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes.
O relatório da PF destaca que todos estes elementos se deram em harmonia. Foram núcleos construídos com funcionalidades diversas, mas com objetivo único: promover o golpe de Estado. Segundo o documento, foi apontado a existência de seis núcleos dos golpistas que se articularam. Um deles é o Núcleo de Desinformação e Ataques ao Sistema Eleitoral.
Parecia ataques atabalhoados de fake news por quem não se conformava com o resultado das eleições. Não, fazia parte da construção de ambiente propício para encorajar os bolsonaristas radicais a tocarem o terror, o que culminou com as ações de janeiro. Quanto mais desacreditar as urnas, mais adeptos para uma ruptura democrática, com o envolvimento de militares. Não à toa, os acampamentos ganharam força pelo Brasil e não foi, em hipótese alguma, incômodo aos quarteis por motivos estratégicos.
Enquanto os idiotas úteis eram preparados com o discurso elaborado pelo núcleo de desinformação, outro agrupamento se responsabilizava em atrair a participação de mais militares no plano. Quem fosse contra o projeto golpista, era submetido a ataques em massa em suas contas e contatos. Noutra vertente, um núcleo tentava passar verniz de legalidade, com assessoramento e elaboração de minutas de decretos com argumentos jurídicos e doutrinários que atendessem aos interesses golpistas. Daí, dá para entender a minuta encontrada na casa de Anderson Torres, por exemplo.
Como citado, segundo a PF, os acampamentos faziam parte da estratégia. Um núcleo de apoio foi designado para plantar os bolsonaristas radicais em frente aos QGs. Além disso, este núcleo se responsabilizava com a mobilização, logística e financiamento de militares das forças especiais, os “kids pretos”, em Brasília. Era neste núcleo que se assentava um dos elementos mais graves: o assassinato dos agentes públicos.
Para que o plano alcançasse o êxito, era necessário o trabalho da Abin Paralela, peça do quebra-cabeça até então não bem esclarecida. Este núcleo coletava dados e informações , monitorava o deslocamento e localização dos “alvos”, o ministro Alexandre de Moraes, do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva e de seu vice Geraldo Alckmin.
Assim, foram seis os núcleos, cuja rede conectava todos todas as pequenas peças descobertas ao longo dos últimos meses. Chama a atenção que o plano de golpe era sofisticado, com braços especializados e militares recorrendo a táticas de guerra. Envolvia também a idolatria de bolsonaristas e a desinformação como arma política de convencimento para a derrubada da democracia. Não fossem as ações que recolheram cada uma das peças desta engrenagem, resultando em um relatório de mais 800 páginas e a altivez de Alexandre de Moraes contra as intimidações golpistas, o cenário poderia ter sido outro. Agora, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e ex-integrantes de seu governo estão indiciados por crimes de abolição violenta do Estado democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa. Ao todo, são 37 integrantes da quadrilha. E eles sabem o que os esperam.