As palavras do quilombola agredido
Somente nesta terça-feira (21), as palavras do quilombola foram ouvidas e publicadas, a partir de consistente material de página inteira na versão impressa e digital do jornal O Globo.
Por William Robson
O caso da agressão do quilombola Francisco Luciano Simplício, de 23 anos, correu o país. Na semana passada, blogs locais e de âmbito nacional trouxeram as imagens do jovem amarrado e espancado pelo empresário do município de Portalegre, Alberan de Freitas Epifânio, que foi preso e liberado em menos de 24 horas.
A repercussão nacional demonstrou a atrocidade e o nível assustador motivado pelo racismo. Até então, não se tinha a palavra do agredido. E somente nesta terça-feira (21), a voz do quilombola foi ouvida e publicada, a partir de consistente material de página inteira na versão impressa e digital do jornal O Globo.
O jornalista Rafael Duarte foi escalado pelo diário carioca para seguir a Portalegre e ouvir o jovem negro . Dar voz a quem, já vítima das agressões e das humilhações, ainda não compartilhara a sua versão para o episódio. Aliás, a cobertura da mídia local pouco humanizou o Simplício. E foi exatamente aí, com o olhar determinado a contar a história do quilombola, que Rafael alugou um carro e partiu para o município serrano. Havia obtido a autorização da família para conversar com ele.
De cara, o jornalista descreveu a situação do quilombola. “No canto da sala de uma casa sem reboco, atrás do matadouro municipal de Riacho da Cruz, a pouco mais de 5km de Portalegre, Luciano teme novas agressões”, relatou no texto. E aproveitou para registrar imagens deste momento.
Nada se soube do Simplício até o esclarecimento dado por Rafael Duarte em sua matéria no jornal O Globo. Além da cena em que aparece de bruços e amarrado, pouco se soube da vida e do cotidiano do agredido. “Passei um dia em Portalegre. A história dele é pesada e precisava ser contada”, detalhou o jornalista ao site WILLIAM ROBSON.
Dependente de álcool, o jovem quilombola está desempregada. Estudou até a 4ª série. Não sabe ler nem escrever. Nasceu em um dos quatro quilombos do município, o Pêga. Vale ressaltar que Portalegre conta com 33 comunidades certificadas, e é considerada a localidade com maior concentração de povoados do RN.
Simplício é o caçula de cinco irmãos, três mulheres e dois homens. Segundo a reportagem, a mãe tinha a saúde mental abalada e tendências suicidas. O pai morreu em 2007, tentando ser atendido em uma clínica. A mãe faleceu pouco depois, em outra cidade, Pau dos Ferros, longe dos filhos.
“Ele ficou dando (golpes de corda) em mim. Me arrastou pela corda. Passei dois dias com o olho roxo. Foram chutes, socos, pisões nas costas”
O quilombola Luciano Simplício
Sobre as agressões de Alberan, que teve o apoio do servidor público André Barbosa, o quilombola relembra: “Ele ficou dando (golpes de corda) em mim. Me arrastou pela corda. Passei dois dias com o olho roxo. Foram chutes, socos, pisões nas costas”
Diante dos sérios problemas com a bebida, Luciano Simplício chegou a morar um tempo em Tocantins, na casa dos tios. Mas, logo retornou a Portalegre. Porém, pretende partir para o Tocantins novamente.
O quilombola, após a entrevista ao jornal O Globo, foi mandado pela prefeitura de Portalegre para exames numa clínica de dependentes de álcool e outras drogas, a pedido. Ele queria ser internado e assim que tiver alta, pretende ir embora. “Vou para a casa da minha tia no Tocantins”, afirmou.
O jornalista Rafael Duarte é editor da Agência Saiba Mais e tem participações na TV Brasil 247 e chegou a fazer algumas participações no programa Foro de Moscow. Para conseguir chegar a Portalegre e viabilizar a reportagem, teve a mediação do quilombola Aercio de Lima, hoje subcoordenador de Povos e Comunidades Tradicionais do Governo do Rio Grande do Norte.