Agressão em Portalegre

Embora solto, agressor do quilombola cumprirá outras “penas”

Apesar da liberdade, juiza estabeleceu medidas cautelares para serem cumpridas pelos acusados de crime de tortura, incluindo Alberan de Freitas Epifânio

Do Blog do Carlos Santos

O comerciante Alberan de Freitas Epifânio, 52, está solto. Acusado de torturar o quilombola Francisco Luciano Simplício da Silva à tarde do sábado (11) no centro de Portalegre (373,3 km de Natal), região Oeste, ao lado do servidor público André Diogo Barbosa, 39, ele foi preso na sexta-feira (17). Porém, ganhou liberdade no dia seguinte (ontem, sábado, 18).

A revogação da preventiva e o alvará de soltura foram determinados pela juíza juíza Mônica Maria Andrade, titular da comarca de Martins em substituição na Comarca de Portalegre. A magistrada é quem decretara a prisão de ambos, inclusive contrariando parecer do Ministério Público, que fora contra a preventiva de Alberan e Diogo (que conseguiu evadir-se).

Em audiência de custódia à tarde desse sábado, em sistema virtual, a juíza entendeu – a partir de arrazoados do advogado de defesa de Alberan, Genilson Pinheiro, bem como da manifestação do promotor público Ricardo Formiga – “não haver mais a presença dos requisitos autorizadores da preventiva”.

Apesar da liberdade, ela estabeleceu medidas cautelares para serem cumpridas pelos dois acusados de crime de tortura:

1 – Proibição de ausentar-se da Comarca em que reside por um período superior a 15 dias sem prévia autorização judicial;

2 – Não mudar de residência, sem prévia permissão do Juízo competente;

3 – Não se aproximar ou manter qualquer contato com a vítima e testemunhas oculares – 100 metros (exceto se as testemunhas forem fazer compras em seu comércio).

4- Deverá se apresentar mensalmente em juízo e deverá se recolher na sua residência a partir das 19h até às 04h30.

Salientou, ainda, na mesma decisão: “Fica o investigado advertido de que o descumprimento das condições acima impostas poderá acarretar nova decretação da prisão preventiva, com amparo nos §§ 4º e 5º do art. 282 c/c parágrafo único do art. 312, todos do CPP”.

Os fatos

Os delegados da Polícia Civil do RN, delegados Inácio Rodrigues e Cristiano Gouvêa da Costa, pediram a prisão preventiva de Alberan e Diogo após apuração dos fatos que ganharam repercussão nacional em redes sociais e imprensa. No Inquérito Policial sob o número 792/2021, os dois ouviram testemunhas, anexando exame forense feito na vítima, vídeo que viralizou nas mídias, áudios do próprio Alberan de Freitas e imagens de câmeras de segurança na área do incidente.

Os dois delegados firmaram convicção da necessidade de prisão preventiva de ambos.

“Fiz e faço quantas vezes for preciso”

“Nada demais, isso é só movimento, movimento. Isso aí já era esperado, não estou arrependido não. Para defender o que é meu, é construído em cima de amparo legal, não é com droga, com coisas ilícitas, eu faço isso. Fiz e faço e quantas vezes for preciso”, falou Alberan em áudios que foram prospectados pela investigação.

O pedido foi atendido pela juíza Mônica Maria de Andrade. Na sexta-feira houve prisão de Alberan de Freitas sem qualquer resistência, quando ele estava trabalhando normalmente em seu comércio, o Mercadinho Eduarda. Já Diogo conseguiu fugir.

Segundo os delegados, o quilombola – que tem problemas mentais – arremessou uma pedra contra uma das portas de madeira do Mercadinho Eduardo, após discussão com Alberan (o proprietário). Não se constatou dano ao patrimônio privado. Contudo, sobre uma moto pilotada por Diogo, o comerciante saiu à caça de Luciano Simplício, enfurecido.

Barbárie sem piedade

Em frente ao depósito de bebidas do “Galego de Dadá”, na área urbana central da cidade, Luciano Simplício foi derrubado por Diogo. A partir daí, começou uma sessão de pancadaria desenfreada. Eles amarraram-no, pisotearam-no e o chutaram diversas vezes.

Ainda não satisfeito, Alberan de Freitas arrastou a vítima pela rua.

Algumas mulheres prestaram depoimento aos delegados. Afirmaram que os maus-tratos duraram cerca de 30 minutos. Mesmo com o apelo para que cessassem aquela barbárie, os dois não arrefeceram a tortura. “Eu vou matar ele”, teria dito Alberan de Freitas.

– Venha para cá que eu bato até em você também”, disse uma testemunha, no inquérito, repetindo manifestação do comerciante, que não aceitava intervenção moderada de ninguém (…) .

Consta no inquérito, mais esse trecho: “(…) A mesma depoente ainda reproduziu: “não faça isso não, Alberan”, que ele respondeu: “faço sim, para defender meu patrimônio eu posso até matar”, que em seguida Alberan levantou Luciano pela corda e soltou ele violentamente no chão e que a depoente perguntou a Alberan como é que ele poderia fazer uma coisa daquela, que Alberan respondeu: “fiz e faço de novo”.

A vítima pedia clemência, chorava e continuava sendo surrada, a ponto de cuspir sangue – disse uma segunda testemunha. Após largado ao chão, sem condições físicas de ficar em pé, Luciano foi socorrido por populares para receber cuidados emergenciais.

Judicialmente, o comerciante Alberan de Freitas Epifânio já responde a processo por “injúria racial”, em outro episódio. Na cidade, é bem relacionado social e politicamente, além de ter extração familiar respeitada – os Freitas-Epifânio.  Visto como “um homem de bem”, que se diga.