Abril: o que o RN espera do mês mais mortal da pandemia?
O comércio abre, as escolas podem funcionar, igrejas promovem seus eventos, academias recebem os bombados. O panorama sugere normalidade contrastante ao caos vivido à exaustão pelos profissionais de saúde
Por William Robson
O mês de abril começou no RN com um decreto mais flexível, que abriu o comércio e gerou tanta aglomeração que uma loja de departamentos não sabia onde colocar tanta gente. O decreto impõe toque de recolher, é verdade. Porém, a sua flexibilidade pressupõe que a situação prevê perspectivas animadoras. É aí onde mora o problema.
Quando a governadora Fátima Bezerra anunciou o aumento de 40% dos leitos de UTI Covid na quinta-feira (1), almejava-se zerar a fila de pacientes à espera. Naquele instantes, a ação neutralizou a fila, novamente formada no início da semana. 58 pacientes já estavam aguardando sua vez. O jornalista Saulo Vale chegou a noticiar em seu Twitter que três leitos foram abertos no Hospital Tarcísio Maia e cinco na Liga de Combate ao Câncer. Mas, todos os leitos foram rapidamente ocupados, chegando a 78 ao todo.
Mossoró e o RN iniciam a semana em pré-colapso, ao mesmo tempo em que medidas restritivas são suavizadas. O comércio abre, as escolas podem funcionar, igrejas promovem seus eventos, academias recebem os bombados. O panorama sugere normalidade contrastante ao caos vivido à exaustão pelos profissionais de saúde. A segunda-feira (5) registra, em meio à naturalização da pandemia, 23 unidades que atendem pacientes com Covid-19 sem vagas de UTI em todo o Estado.
A pressão econômica foi determinante para o salve-se quem puder. Representantes do comércio prometeram protocolos “rigorosos” para inglês ver. A TV mostrou aglomeração que mais parecia promoção de R$ 1,99. Nenhum rigor, nenhum cuidado. Dos que vendem e dos que compram.
Assim se vive na selva que aguarda deste mês de abril o pior mês da pandemia. Quem afirma é a Universidade de Washington. O Instituto de Métricas e Avaliação em Saúde prevê 100 mil mortes por Covid-19 no Brasil ao longo do mês de abril. O RN se aproxima dos cinco mil mortos, tendência a ser batida facilmente neste cenário favorável de circulação do vírus.
O abril mortal também preocupa autoridades de outros Estados. O secretário de Saúde da cidade de São Paulo, Edson Aparecido, prevê que abril seja o pior mês da pandemia. “Nós acreditamos que abril deve ser o pior mês da pandemia em São Paulo. Não é o caso de voltar a permitir cultos religiosos, pois é mais um ambiente de alta capacidade de transmissão do vírus, por isso devem ser proibidos nos próximos dias. É importante que as pessoas permaneçam em casa para ajudar a controlar essa situação”, disse, referindo-se à situação de sua cidade que não difere tanto do RN. A diferença está na possibilidade dos cultos religiosos serem retomados no Estado.
Alguns especialistas, como o caso de Ion de Andrade, temem o pior em virtude do decreto mais ameno para o mês mais preocupante. Ele escreveu artigo, semana passada, ainda na vigência do decreto anterior. “A proposta que faço é que amanhã, véspera do término do prazo de vigência do atual decreto, a governadora Fátima o prorrogue por mais seis dias atingindo os dez dias propostos pelo Comitê Científico e que a retomada das atividades econômicas seja pautada pelas mesmas fases que foram praticadas em junho passado, um Plano muito discutido e de amplo conhecimento de todos”, sugeriu. Como sabemos, foi voto vencido.
Afora tudo isso, há mais pressões para liberar geral. A Associação de Bares e Restaurantes do Rio Grande do Norte (Abrasel) entrou na Justiça contra o Governo do Estado por proibir o “consumo no local” de bebidas alcoólicas em qualquer estabelecimento comercial, incluindo bares, restaurantes e similares. Para garantir mais gente nos estabelecimentos, o presidente da Abrasel, Paolo Passariello, foi categórico ao afirmar a não existência “de estudo científico que estabeleça relação entre consumo de bebida alcoólica e incremento na transmissão da Covid-19. Proibir um tipo de produto que é fundamental na nossa atividade nos enfraquece de uma forma brutal”. Esqueceu apenas de lembrar que bebidas alcoólicas são vetores de aglomeração. Sem falar que o torpor estimula a quebra de quaisquer protocolos.
Ou seja, a abertura da porteira pela governadora Fátima Bezerra aguçou a boiada. Todos querem passar. A questão é: o RN terá condições de arcar com tantos infectados e pessoas em busca de atendimento nos hospitais após este período de condescendência?