A pandemia, a economia e a realidade
O RN, um elefante doente economicamente e deformado socialmente se encontra numa encruzilhada histórica: buscar o futuro ou permanecer nas fazendas das oligarquias. Texto de Wellington Duarte
Wellington Duarte, economista e professor da UFRN
A reabertura de setores da economia, uma imposição da realidade mais do que da saúde, certamente vai expor as entranha de uma sociedade fragilizada pela forma de como foi construída. O Rio Grande do Norte, um elefante doente economicamente e deformado socialmente se encontra numa encruzilhada histórica: buscar o futuro ou permanecer nas fazendas das oligarquias.
Uma das coisas que devemos pacificar é que a iniciativa privada, pelo menos aqui na terra de Poti, constituiu-se, desde os primórdios da economia local, a partir de impulsos indutores vindos do setor público. Abro um parêntese para dizer que Setor Público não tem identificação direta com empresas estatais ou estatismo, sendo o primeiro ligado a um setor da sociedade e o outro referente a unidades de produção ou comercialização, sob total controle do Estado.
Quando corre-se às ruas soltando rojões sobre a “retomada da economia”, de imediato vem a ideia de que em poucos dias estaremos vivendo como antes, com as coisas voltando ao “normal”, embora uma parcela da população chame de “novo normal”, uma coisa indefinível e sem sentido, mas que é chique dizer, é preciso o mínimo de racionalidade para verificar que não é bem assim.
Existe uma diferença abismal entre a “retomada da economia” e “retorno às atividades econômicas” e não é apenas uma questão de semântica, bastando para isso ser atento ao que a tendência aponta. Em economias mais industrializadas, que não é o nosso caso, haverá um tempo até que as cadeias produtivas da indústria se espalhem pelos demais setores, favorecendo o comércio e o setor de serviços, sendo esse “tempo” variável, de acordo com o grau de desenvolvimento das forças produtivas.
No caso do RN, onde cerca de 36% do PIB vem do Setor de Serviços; 31% do PIB é oriundo do Setor Público; e 14% do comércio, somando 81% do PIB, conforme dados levantados pelo Departamento de Dados e Pesquisas (DEPEC), do Bradesco, publicado em fevereiro desse ano, com base no PIB de 2016, mostra a nossa flagrante fragilidade. Os dados podem, inclusive terem se modificado até o início desse ano, tendo em vista o definhamento programado da Petrobras e os efeitos pós-pandemias já começam a ser devidamente analisados.
Se o comércio foi duramente afetado pela pandemia e o setor de serviços, muito fragilizado, dispersou-se, a “retomada das atividades econômicas” encontra um cenário de terra arrasada em que voltar a ter uma lucratividade remotamente parecida com as condições da pré-pandemia, demorará bem mais do que a maioria dos comerciantes, prestadores de serviços e empresários da indústria esperam e o anúncio, feito ontem (14), pelo Grupo Guararapes de que haverá a demissão de 320 empregados por “readequação”, mostra como será dolorosa essa retomada, já que a fábrica empregava 7.000 pessoas.
Sendo, de fato, o motor indutor da economia local, o Setor Público, o único setor que não sofreu redução de postos de trabalho, tem sustentado a permanência de setores, principalmente os ligados à alimentação, e a ajuda emergencial, retirada à força do governo federal, fez com que uma pequena parcela das empresas sobrevivesse, mesmo sem nenhum tipo de ajuda.
A economia real, aquela que ignora os arroubos ufanistas dos empresários e nem está sujeita as parlapatonices de alguns gestores, que lidam com essa pandemia de forma irresponsável, se move pela dinâmica de um processo que engloba várias variáveis e não por desejos e anseios de alguns ignorantes de plantão.
Originalmente publicado na Agência Saiba Mais