O Novo Fundeb e as lições da vitória da educação pública e derrota bolsonarista
Derrotado no Congresso por 499 votos contra 7, Bolsonaro que queria acabar com o FUNDEB, cinicamente, assim como o fez em relação à renda básica emergencial, diz que é seu governo que materializa o novo Fundeb. Texto de Daniel Valença
Daniel Valença, professor da Ufersa
O novo Fundeb superou ontem o primeiro grande desafio para a sua existência, com a sua aprovação na Câmara. O amanhecer desta quarta-feira, contudo, gerou confusão na população brasileira, pois oposição e governo comemoravam a sua aprovação.
Mas quem acompanhou todo o processo e, especialmente, a sessão de ontem da Câmara, sabe que houve vencedores e derrotados.
As entidades que lutam pela educação pública, professores e estudantes, cederam quanto às reivindicações iniciais e acordaram ao redor do relatório da deputada Dorinha Seabra, que apresentou o substitutivo da Emenda Constitucional 15/15 após negociar com os parlamentares e as entidades.
O governo Bolsonaro, no entanto, tentou desde o início inviabilizar a proposta. Primeiro, buscou retirar recursos do Fundeb e destiná-los a outras áreas. Buscou retirar a educação infantil do Fundeb, o que aprofundaria a realidade de a ampla maioria das classes trabalhadoras não terem direito à creche para suas crianças, penalizando especialmente as mulheres. Tentou, também, que o novo Fundeb começasse apenas em 2022, o que geraria um hiato entre o atual Fundeb – que está em vigor até 31/12/2020 –, e o próximo, provocando um caos sem precedentes na educação.
Ao longo da sessão, o Bolsonarismo tentou subir a hastag “#FundebNão”, atuou para impedir o quórum de abertura; parcelas dos deputados do centrão não registraram presença, bem como tentaram desviar o foco com o envio de Paulo Guedes ao Congresso para apresentação da proposta de reforma tributária.
Durante a votação, apenas 7 deputados votaram contra o substitutivo, todos do núcleo duro do Bolsonarismo. O Partido Novo, com o apoio da liderança do governo Bolsonaro, tentou aprovar destaques: a não vinculação de ao menos 70% dos recursos ao pagamento do piso salarial e valorização de trabalhadores e trabalhadoras da educação e a derrubada do Custo Aluno Qualidade – CAQ (mecanismo voltado ao aumento do investimento por aluno no país), sob o argumento de que nossa Constituição Federal já é “muito extensa”.
Tal argumento me recordou os bancos da faculdade de Direito, quando alguns docentes colocavam a questão como sempre um problema formal, e não de conteúdo: não explicavam que a “Constituição” é extensa com o único objetivo de dificultar a perda de direitos, ante uma elite que tanto atua para acabá-los, como se percebe desde o golpe de Estado de 2016.
Com a intensa mobilização popular nas redes, tais destaques foram derrotados, e o Fundeb foi aprovado, prevendo a complementação da União em 23% até 2026, com reserva de ao menos 70% para o pagamento das verbas salariais e manutenção do CAQ.
Hoje, Jair Bolsonaro, cinicamente, assim como o fez em relação à renda básica emergencial, contra a qual lutou até o final mas dela apropriou-se após a sua aprovação, diz que é seu governo que materializa o novo Fundeb.
Do episódio só restam duas lições: a primeira, é que as importantes vitórias contra o Bolsonarismo na institucionalidade não levarão à sua derrocada, pois seus mecanismos de disputa hegemônica neutralizam rapidamente as suas eventuais derrotas; e, como consequência, a segunda lição é a de que somente com uma oposição firme, voltada à derrubada do neoliberalismo e fascismo que tomaram o Estado após o golpe de 2016 e fundada em intensa mobilização popular, poderá vir a derrocada do Bolsonarismo, seja por cassação de chapa ou impeachment, mas, uma vez mais, mediante forte pressão de fora para dentro.