Qual é o prejuízo real sem a realização do Mossoró Cidade Junina este ano?
Em cidades onde as festas juninas se tornaram seus maiores propulsores econômicos, o impacto tende a ser mais acentuado. E como está Mossoró nesta situação, visto que se configura como abrigo de um dos maiores arraiás do país?
Que o Brasil sofrerá retração econômica por conta da pandemia, é de conhecimento de todos. O que poucos sabem é que esta retração será maior na região Nordeste, onde o seu “carnaval”, o período em que a economia recebe incrementos elevados, ficou comprometido por conta do coronavírus.
Como sabemos, o nosso “carnaval” são as festas juninas. A festa ocorre, em dimensões diferentes, em várias cidades da região, representando de 18% a 20% da economia dos municípios ao ano, segundo informou o economista Roberto Machado Lopes, professor da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo. Por coincidência do momento, a recessão econômica no Nordeste será mais ampla que no restante do país, algo tem torno de 2% a 3% do PIB em 2020, sem contar os cerca de 8% já projetados. Uma tragédia.
Em cidades onde as festas juninas se tornaram seus maiores propulsores econômicos, o impacto tende a ser mais acentuado. Caruaru, em Pernambuco, movimenta R$ 200 milhões e gera mais de 20 mil empregos ao longo do mês. O município será contribuinte de um prejuízo que ultrapassará a casa de R$ 1 bilhão na economia dos principais Estados onde as festas juninas são consideradas o carro-chefe.
Além de Caruaru, Campina Grande (PB), com uma das maiores festividades de São João do Brasil, deixou de movimentar outros R$ 200 milhões neste período. E como está Mossoró nesta situação, visto que se configura também como abrigo de um dos maiores arraiás do país?
Se estivéssemos em ambiente normal de temperatura e pressão, a cidade já estaria enfeitada de bandeiras, luzes, e as barracas de fogos estariam instaladas na extensão da avenida Rio Branco, o palco principal do Mossoró Cidade Junina. As quadrilhas estariam preparadas para competir com suas fantasias devidamente cuidadas e coreografias estilizadas, em arena e palco levantados exclusivamente para tal fim.
Grandes atrações forrozeiras lotariam a Estação das Artes e gerariam incríveis imagens aéreas. A Cidadela hospedaria shows de rock, jazz, MPB. Uma cidade cenográfica dedicada a públicos diversos e avesso ao forró, construída ao lado do adro da Capela de São Vicente, onde o espetáculo “Chuva de Bala no País de Mossoró” enchia os olhos de um público atento e emocionado diante de cast experientemente formidável, forjado em anos de lutas, montagens, companhias, intercâmbios, filmes premiados e seriados globais.
Uma feirinha com comidas típicas se formaria por trás da Estação das Artes. O prédio da Estação abriria seu auditório para discussões sobre cangaço e outros temas. Os cantadores de viola recitariam seus versos, enquanto Elizeu Ventania, que dá nome à Estação, permaneceria vivo na memória.
Há muitos outros elementos que a covid-19, desgraçadamente, neutralizou. Turistas deixaram de desembarcar na cidade. Nem os voos da Azul Linhas Aéreas subsistiram.
Há muitos outros elementos que a covid-19, desgraçadamente, neutralizou. Turistas deixaram de desembarcar na cidade. Nem os voos da Azul Linhas Aéreas subsistiram. A indumentária matuta não é peça predominante. Imagine, então, o tamanho do prejuízo cultural, turístico e financeiro para a cidade.
Uma reportagem da Folha de S. Paulo publicada nesta quarta-feira (24) aponta que a cidade amargará R$ 94 milhões em perdas devido ao cancelamento da festa. Talvez a reportagem tenha se baseado em estudo desenvolvido pela Universidade Potiguar (UnP), em 2019, que apontava este número. Porém dois anos, se passaram e, certamente, as cifras seriam atualizadas.
Mesmo assim, trabalhando com a hipótese de dois anos atrás, o prejuízo é baseado no que cada pessoa gastaria, em média, no evento propriamente dito – contando os agregados como o Pingo da Mei Dia e o Boca da Noite, eventos que abrem e fecham, respectivamente, o MCJ. Cada pessoa gastaria R$ 12,93 no evento, o Pingo movimentaria, em média, R$ 47,28, o Boca da Noite, R$ 16,78, e a Estação das Artes, R$ 13,31. Estes números consideraram os pontos com maior fluxo de turistas em edições anteriores e que serviram de base para a reportagem que destaca a movimentação financeira da festa mossoroense.
Coloque na conta também que o prejuízo se expande por conta da cadeia produtiva em torno do evento. O ciclo junino é impactado na produção de comidas típicas, roupas, vendas de fogos de artifício, transporte aéreo, rodoviário, restaurantes, bandas, bares e, sobretudo, hotelaria, que costuma ficar com ampla ocupação.
Deu para entender o quão difícil foi para a prefeita Rosalba Ciarlini optar pelo cancelamento deste evento, entre os três maiores da região do Nordeste. O choque na cidade é impressionante, afetando o PIB local, a geração de renda e perspectivas de quem espera o ano inteiro por este momento, seja turista, o baladeiro, o mossoroense em geral ou aqueles que se dedicam a trabalhar no período. É um misto de frustração, vazio, paralisia e, claro, recomeço.