Profissionais na linha de frente

Secretária Saudade Azevedo: “O povo xinga os servidores da Saúde. Você não tem noção”

Os profissionais de saúde, em luta que parece interminável e na linha de frente da pandemia, têm outra praga a enfrentar, além do coronavírus: a hostilização

No início da semana, a quantidade de UTIs específicas para o tratamento da covid-19 alcançou a taxa de ocupação de 97%, ou seja, à beira do colapso. O sistema de saúde não está conseguindo atender à demanda dos doentes que não param de chegar. Há filas, e pessoas morrem porque não conseguiram uma unidade de terapia intensiva a tempo.

No boletim que a Secretaria de Saúde do Estado divulga diariamente, a quantidade de infectados passou de 4 mil.  4060 para ser mais exato. As mortes, 178. Os números parecem frios e, para muitos ainda são. Não causam dor, não sensibilizam. Pelo contrário, “não é comigo, nem com meus parentes, sigamos a vida”.

Afunilando este agrupamento e isolando Mossoró no radar, vamos perceber que a cidade aumentou 54,6% na quantidade de casos em apenas sete dias. Quer dizer, uma semana foi suficiente para ampliar em mais da metade o número de contaminados que desembocam nos equipamentos sanitários do município. Deu para perceber a gravidade da situação?

Não, não é a cloroquina que vai resolver o problema. Enquanto a vacina não é disponibilizada, o único caminho possível é o isolamento social, o qual, como sabemos, Mossoró nunca respeitou. As lojas do Centro seguem a todo vapor até que uma intervenção mais rigorosa da prefeitura teve de ser adotada em dois momentos: a solicitação de forças de segurança e a assinatura de dois decretos que pune os comerciantes clandestinos que insistem em abrir seus estalecimentos não-essenciais na surdina.

Até  então, havia uma expectativa de que o mossoroense estava consciente do perigo invisível a ponto de tomar os próprios cuidados, auxiliando as autoridades sanitárias e permanecendo em casa. Pura ilusão. O isolamento não só foi quebrado, como o comércio aberto, contrariando os decretos em vigor. Mesmo assim, os profissionais de saúde, em luta que parece interminável e na linha de frente da pandemia, tiveram outra praga a enfrentar, além do coronavírus: a hostilização.

Em conversa com o site, a secretária de Saúde do Município, Saudade Azevedo, ficou perplexa com a forma como muitos mossoroenses tratavam aqueles profissionais que lutam para que a cidade não se transforme em catástrofe humanitária. “Você não sabe o que a gente escuta de piada. O povo sente-se na liberdade de xingar os profissionais de saúde”, comentou.

Olha só a situação onde estes profissionais (enfermeiros, técnicos, médicos, assistentes sociais, psicólogos…)  estão. Tal grupo merecedor de honras e aplausos, que coloca a sua vida e de seus familiares em risco é simplesmente desprezado e ridicularizado. São profissionais cotidianamente ofendidos por pessoas que se consideram invencíveis contra um mal que já matou 35 dos seus conterrâneos. Oferecem ajuda e se colocam ao lado destes sujeitos para juntos enfrentarem algo que traz medo e ansiedade para todos. Contudo, recebem “pedradas” como se fossem os responsáveis pelo caos.

Algum insano poderá dizer: “Não,veja bem, eles só querem trabalhar e sobreviver”. Sobreviver, expondo-se a um vírus mortal? Sobreviver ao colocar em risco os seus entes? O que você entende por sobreviver neste momento de agonia?

Saudade ainda afirmou: “Você não tem noção do que estamos passando”. Nem a minha imaginação é capaz de ter esta dimensão. Sendo assim, o diálogo é impossível com neandertais. Somente forças de coerção são capazes de fazê-los entender que a questão é de saúde pública. Todos estão envolvidos.

O Barão de Itararé já dizia que “de onde menos se espera é que não vem nada mesmo”. Nada veio de quem se achava haver percepção de um problema conunitário. Então, não tem jeito. Só a intervenção policial para oferecer um choque de realidade.