Trabalho

No Leblon, ‘flanelinhas’ estão longe de fazer R$ 4 mil, como disse Marinho

Remuneração citada por Rogério Marinho não é realidade nas ruas do bairro do Rio, onde guardadores se queixam de falta de dinheiro até para comer

Por Ana Clara Veloso e Glauce Cavalcanti, do jornal O Globo

RIO – O casal Mônica e Benedito Gomes, de 43 e 56 anos, acorda cedo no Morro Vila Formosa, em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, para seguir rumo ao Leblon, na Zona Sul do Rio, onde os dois trabalham como guardadores de carros. Ela vai de segunda a sábado. Ele, dia sim, dia não. São regularmente matriculados numa das empresas que têm autorização da prefeitura para repassar talões de estacionamento público aos trabalhadores informais.

Juntos, ganham R$ 700 por mês. Nos dias em que não atua como guardador, Benedito cata materiais para reciclagem, o que rende mais R$ 200.

A renda do casal é apenas uma fração do valor de até R$ 4 mil que o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, disse na terça-feira ser a renda mensal possível de “flanelinhas” no bairro carioca, ao ser questionado sobre a taxa de informalidade no país.

— Chego em casa às 22h todo dia e não ganho um salário mínimo. Se eu ganhasse R$ 4 mil, não precisaria sair de casa para ir na cozinha e no banheiro, que ficam do lado de fora. Já teria terminado minha obra — desabafa Mônica, frisando que falta dinheiro até para comer.

Banheiro e cozinha fora da casa

Ela está há três anos na função, desde que seu marido se afastou por três meses da atividade exercida há 15 anos em pé por um problema na perna. Não demorou para Mônica também pagar um preço na saúde, por não ir ao banheiro nem beber água, para não perder dinheiro. Também precisou se tratar, mas não tinha nem como pagar os remédios, conta:

— O remédio custava R$ 46 e eu não tinha. Minha filha fez uma transferência pra mim. As contas não fecham ainda. Os remédios do meu marido custam quase R$ 200. Então eu não consigo pagar há dois meses o meu cartão de crédito, que tem limite de R$ 300. E o juro está correndo.

A função de guardador de carros é um dos sintomas brasileiros da alta informalidade no mercado de trabalho. No terceiro trimestre, mais da metade (54%) do crescimento de 4% da ocupação no país foi em posições sem carteira assinada. Dos 93 milhões de ocupados, 40,6% são trabalhadores informais. Em igual período de 2020, essa fatia era de 38%, segundo o IBGE.

— A informalidade sempre foi importante para a ocupação no país. Na crise, se aprofunda. Mas temos cada vez menos emprego formal e menos salário, porque crescem as relações não assalariadas — diz Adriana Beringuy, coordenadora de Trabalho e Rendimento do IBGE.

Renda limitada: Num dia bom, Samir Dias consegue ganhar R$ 80 no Leblon Foto: Brenno Carvalho / Agência O Globo
Renda limitada: Num dia bom, Samir Dias consegue ganhar R$ 80 no Leblon Foto: Brenno Carvalho / Agência O Globo

Renda no nível mais baixo

Assim, o que seria um colchão para o desemprego acaba precarizando o trabalho.

— A concorrência feroz entre “flanelinhas” ou vendedores de milho, por exemplo, nas ruas é reflexo do crescimento do número de trabalhadores por conta própria e da informalidade. Na pandemia, houve um movimento em “v” no número desses trabalhadores, que chegou ao maior nível histórico. Mas a renda deles fez o “v” invertido, indo ao nível mais baixo agora — diz Marcelo Neri, diretor da FGV Social.

O rendimento médio mensal dos trabalhadores por conta própria — são 25,5 milhões de pessoas — é de apenas R$ 1.879 para aqueles sem CNPJ. O dos com registro formal alcança R$ 3.257.

Leonardo Monasterio, coordenador de Ciência de Dados da Escola Nacional de Administração Pública (Enap), explica que, no Brasil, há uma série de ocupações que deveriam estar extintas, mas que se mantêm por razões históricas e pela desigualdade:

— Há ocupações que vão demorar para desaparecer no Brasil, onde temos fiscal de prova, ascensorista, guardador de carro, trocador de ônibus. Em geral, os salários vão subindo e o trabalho é substituído por capital — afirma.