Grandes Discos que Ouvi #3

“Da Lama ao Caos”: o mais ousado, original e disruptivo disco dos ’90

Chico Science quebrou o paradigma da música pop, popularizando a ciranda e o maracatu, incrementando com linhas de baixo e guitarras modernas, e drives pesados que lembram os melhores momentos do hard rock

Por William Robson

Rock, Maracatu, coco, rap… Ninguém imaginaria que estilos tão díspares fossem capazes de refletirem uma imagem sonora homogênea. Regionalismo com riffs pesados, em uma estética dinâmica, é a marca sincrética do primeiro disco do Chico Science & Nação Zumbi, “Da Lama ao Caos”. A lama aqui em nada se refere à hostilidade ou ao inóspito, mas à geradora de vida, ao ecossistema do mangue de onde minaram os “caranguejos com cérebro”.

O disco foi lançado em 1994 no período em que o grunge imperava no cenário roqueiro. Chico e sua banda tocavam na cena recifense, que poderia ser no cabaré transformado em casa de show uma vez por semana no Recife Antigo, ou no festival Abril Pro Rock, que abriu as portas para tantos grupos que tornaram evidente o movimento conhecido como mangue-beat.

O disco “Da Lama ao Caos”, do Chico Science & Nação Zumbi, de 1994

Neste movimento, bandas legais lançaram trabalhos antológicos, como o Mundo Livre S/A em “Sanba, Esquema Noise” ou o Mestre Ambrósio no álbum de estreia homônimo. Dois entre tantos trabalhos que surgiam como moscas naquele período. E nesta leva também estava o Chico Science, com um disco de 14 músicas de sonoridade totalmente peculiar e, porque não dizer, revolucionária.

Chico Science quebrou o paradigma da música pop, popularizando a ciranda e o maracatu, incrementando com linhas de baixo e guitarras modernas, e drives pesados que lembram os melhores momentos do hard rock. A faixa-título traz uma levada do guitarrista Lúcio Maia, uma espécie de solo em forma de riff, que dobra o andamento e dá a deixa para a sequência da música. O disco nasceu grande, com o selo da Sony Music e produção de Liminha.

“Computadores Fazem Arte”, de Fred 04, do Mundo Livre, dá o tom da mistura que envolve as já citadas tendências musicais e a tecnologia. O lema “um satélite na cabeça” permeia o disco, que abre como a proposta de “modernizar o passado” e fecha com o dub que remete ao segundo disco, o “Afrociberdelia”.

Talvez este tenha sido a principal produção musical brasileira dos anos 90, a mais ousada, original e disruptiva. É complexo e inovador, ao mesmo tempo que consegue ser pop, como na faixa “A Cidade” e “A Praieira”, que virou tema de novela. “Samba Makossa” foi regravada pelo Charlie Brown Jr, com a participação do Marcelo D2, a reverência de uma outra importante banda noventista à criatividade emanada por Pernambuco. Com toda a musicalidade e apelo progressista, atitude forte e clara neste álbum necessário.

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