Análise do dia

Como o MBL coloca a esquerda ingênua no bolso?

Importantes legendas da esquerda se unem ao arquirrival para pressionar pela queda de Bolsonaro em uma espécie de frente democrática de meia-tigela

Por William Robson

Olha que interessante este material publicado pelo jornal Valor Econômico, no último dia 8. O texto destaca que “lideranças de PT, PDT, PSB, PCdoB, PV, Solidariedade, Cidadania e Rede decidiram, em reunião virtual nesta quarta-feira, apoiar todas manifestações contrárias ao presidente Jair Bolsonaro, inclusive a organizada pelo Movimento Brasil Livre (MBL) e pelo Vem Pra Rua que ocorrerá neste domingo”. Ou seja, importantes legendas da esquerda se unem ao arquirrival para pressionar pela queda de Bolsonaro em uma espécie de frente democrática de meia-tigela.

Sim, estes partidos se incluem na frente democrática que busca restabelecer esta normalidade rompida desde 2016 com a destituição da presidenta Dilma Rousseff. O MBL, por outro lado, integra o núcleo golpista que ascendeu a extrema-direita a qual estamos sujeitos neste momento. Todos lembram das principais nomes do movimento, de Fernando Holiday a Kim Kataguiri que, na esteira do movimento antipetista e antiesquerda, se elegeram e iniciaram seus projetos políticos.

A esquerda, pelo menos a ala mais ingênua, não aprendeu a lição. Acredita haver consenso na pauta pelo impeachment do presidente e, por isso, justificar a mistura do joio e do trigo desde que se alcance tal objetivo. Claro que a intenção do MBL é reunir o maior número de entidades e partidos no próximo domingo. Até os principais sindicatos aceitaram a convocação do Movimento Brasil Livre (livre de quê mesmo, gente?). Pasmem!

Na verdade, o MBL conseguiu colocar estes setores da esquerda no bolso para que engrosse o caldo de seus próprios interesses. O Bolsonaro definhando em popularidade, em lambanças e em desgoverno, se tornou presa fácil, adversário a ser batido nas eleições do ano que vem. O ùnico capaz de enfrentá-lo e de obter êxito, segundo as pesquisas mais recentes, é o ex-presidente Lula. Nenhum outro aparece em condições para o feito.

É aí onde MBL surge, via protestos como o de domingo.  Pretende, com a esquerda ingênua, resetar novamente o governo da vez para emplacar o seu candidato, o que chamou-se de “terceira via” até agora, mesmo não se destacando nas pesquisas. Impedir Bolsonaro é a última tacada do MBL para empurrar um candidato liberal, que teria o apoio dos setores que antes trabalharam fortemente pela derrubada da ex-presidenta Dilma. O MBL faz este cálculo, porque não quer Lula vestindo a faixa presidencial mais uma vez. Vale lembrar que a hashtag do grupo é #nembolsonaronemlula.

O impeachment de Bolsonaro geraria mais que uma ruptura institucional. Abriria o panorama que até agora se coloca improvável: dar vida ao candidato da terceira via, que passaria a ser a segunda. Digladiaria com Lula no ano que vem, cenário mais tortuoso para o ex-presidente, visto que suas articulações com diversos partidos em defesa da democracia, entre eles integrantes e caciques do Centrão, seria prejudicada.

Ao aceitar a lógica do MBL, os partidos de esquerda aderem à possibilidade de ressuscitar nome liberal mais viável para enfrentar Lula em 2022. Assistir Bolsonaro se afogar com o próprio vômito é o caminho mais próximo da retomada democrática. Em vários sentidos: porque a erosão bolsonarista tende a se ampliar; porque Bolsonaro não seria elevado à categoria do “Mito corajoso interrompido pelo sistema “; porque, com o capital eleitoral em queda, seria defenestrado pela soberania do voto. E tudo isso, garantiria a legitimidade e segurança de um 2023 realmente esperançoso.