Cultura na pandemia

A súbita preocupação dos que desprezavam os artistas mossoroenses

Estranhamente e já defenestrada da prefeitura, a oposição inclinou-se para os artistas, desprezados em todo ano passado. Aqueles mesmos que achincalharam o então vereador Gilberto Diógenes, hoje guinaram à sua bandeira.

Imagem principal: gravações do filme “Chuva de Bala”, que será exibido pela internet

Por William Robson

Não faz tanto tempo assim. No primeiro ano de pandemia, os artistas mossoroenses estiveram entregues à própria sorte. Um dos setores mais atingidos neste período foi também o mais esquecido em 2020. Sem perspectivas e sem atenção, os artistas e técnicos foram forçados a suspender suas atividades para evitar a propagação do vírus e, adicionado a isso, os principais eventos da cidade foram cancelados ou transformados em atividades voluntárias, sem direito a cachê.

O protesto em março, em que foi instituída, pela primeira vez na pandemia, a comissão para discutir políticas culturais

O período levou os artistas ao desespero. Em isolamento, jamais tiveram a oportunidade de discutir alternativas com a então prefeita Rosalba Ciarlini. Quem falou pela categoria foi o então vereador Gilberto Diógenes. Em junho de 2020, o parlamentar apresentou projeto emergencial destinando parte dos recursos do Mossoró Cidade Junina, então cancelado, para os artistas em situação de vulnerabilidade. Sequer foi ouvido. Pelo contrário, foi ridicularizado pelo mesmo grupo que hoje tenta emplacar projeto semelhante.

No ano passado, o rosalbismo e o sandrismo estavam unidos. Sua bancada na Câmara emitiu nota, afirmando que  “o autor do projeto foi relapso e relaxado” e que o “projeto trata de remanejamento orçamentário. ISSO É MATÉRIA ORÇAMENTÁRIA. Porém, não indica para qual projeto/atividade da LOA esses recursos do MCJ seriam transferidos, já que a prefeitura não tem política de transferência de renda ou concessões de auxílios financeiros”.  E assim concluíram: “Por fim, o autor do projeto e os demais vereadores que lhes deram repercussão, venderam “gato por lebre” aos artistas mossoroenses”.

Ou seja, a iniciativa lançada na Câmara esbarrou na bancada governista avessa ao quadro enfrentado pelos artistas. Além disso, a Prefeitura de Mossoró, à época, fez algo inusitado: ofereceu a marca “Pingo de Mei Dia” para ser explorada pela iniciativa privada. Artistas foram convidados a participar, sem garantia de qualquer pagamento.  Pelo contrário. A mensagem divulgada pela Prefeitura em junho de 2020 descartava auxílio ou a obrigação de remunerar pelo trabalho destes profissionais: “Os artistas farão de forma voluntária suas participações, sem cobrar cachê. As doações vão ajudar pessoas que se encontram em situação de vulnerabilidade neste momento”, informava a nota.  Os artistas deveriam estar na primeira fila deste grupo, não acham?

Assim, o talento mossoroense, totalmente desvalorizado, ficou à mercê da solidariedade dos pares, em rede de solidariedade no intuito de angariar cestas básicas.  Foi a saida, ante uma Prefeitura de Mossoró que virou as costas.

Noutra ponta, iniciativas como a lei de emergência aprovada pela Câmara dos Deputados e, oportunamente batizada de Aldir Blanc, destinava R$ 3,6 bilhões do Fundo Nacional de Cultura para que Estados e municípios socorressem artistas que perderam toda a renda durante a pandemia. E a Fundação José Augusto (FJA) chegou a abrir edital de urgência. A Assembleia Legislativa, por sua vez, aprovou projeto de lei em que parte dos recursos do Programa Nota Potiguar é destinada ao setor. O grupo rosalbista e sandrismo, unido no comando da prefeitura, não se manifestou ante o caótico panorama.

Estranhamente e já defenestrado da prefeitura, tal agremiação inclinou-se para os artistas, antes desprezados. Projeto apresentado na Câmara de Mossoró intenta atender ao pleito dos artistas, ironicamente negado durante todo o ano passado. Aqueles mesmos que achincalharam o vereador Gilberto Diógenes, hoje guinaram à sua bandeira. Fizeram estardalhaço, porém o  projeto apresentado, ainda não foi votado. Necessita tramitar na Casa.

O fato é que, diante de manifestações dissimuladas com ar de novidade, o artistas permaneceram desassistidos durante todo o ano passado. A ponto de, em 19 de março deste ano, decidirem realizar protesto em frente ao Palácio da Resistência. A angústia persistia, embora a expectativa rondava o fato de a prefeitura estar ocupada com novos gestores. Aos pedidos de socorro, queriam alternativas que amenizassem a situação de penúria da categoria. E, para tanto, enfrentaram o sol do meio-dia.

O prefeito Allyson Bezerra, quando atendeu aos manifestantes, e anunciou o Mossoró Cidade Junina Virtual

Acostumados a sequer serem recebidos na Prefeitura, foram surpreendidos com o prefeito Allyson Bezerra surgindo em meio aos artistas.  Ao lado dos secretários Kadson Eduardo (Chefe de Gabinete) e Etevaldo Almeida (Cultura), o prefeito saiu do palácio para atender os manifestantes. Na ocasião, Allyson apresentou a realização do Mossoró Cidade Junina virtual (o que não foi feito no ano anterior) e montou ali mesmo a comissão a ser recebida por ele no Palácio logo em seguida.  A comissão seguiu em reuniões com o secretário de Cultura em busca de novas alternativas para a classe.

Na ocasião, o prefeito, na calçada,  relatou aos artistas: “Pela primeira vez na história dessa cidade iremos realizar o Mossoró Cidade Junina virtual. O objetivo é realizar a festa com toda a estrutura local e contratação de artistas e profissionais do município. A prefeitura investirá recursos próprios e buscar patrocínios na iniciativa privada para garantir renda aos artistas que sofrem no dia a dia as dificuldades financeiras causada pela pandemia”.

Os artistas em reunião com o prefeito no Palácio da Resistência, após constantes recusas no ano passado

O evento, segundo a Prefeitura, já realizou chamamento público e vai atender, com auxílio financeiro, mais de 200 artistas da cidade. A data da realização será de 12 a 27 de junho. São mais de cem  envolvidos no espetáculo Chuva de Bala no País de Mossoró, no formato de filme este ano, e mais de cem outros agentes culturais, em programações diversas do MCJ. Bem diferente da versão do Pingo virtual de 2020, em que os músicos precisaram pagar o que não tinham para trabalhar.

“Estamos trabalhando o edital do Prêmio Fomento Maurício de Oliveira para publicação no início de julho. Essa ação contemplará o segmento artístico em várias categorias”, explicou o secretário Etevaldo Almeida. Pois é, a diferença, agora, é que, pela primeira vez na pandemia, os artistas têm uma comissão que senta à mesa com o prefeito e discute políticas culturais.