Boatos em Mossoró

A fofoca que se espalha sobre você

As pessoas estão de olho nos seus passos. A rede social, um ambiente de autovigilância, é também da vigilância e das narrativas construídas

Por William Robson

Parece estimulante vigiar a vida do outro, exigir que as pessoas materializem o seu imaginário moralista, ou se tornem aquilo que elas não são. Programas de TV e filmes fazem sucesso com o voyeurismo. Mossoró também está nesta vibe, potencializada nas últimas semanas em forma de piada. Esses últimos dias foram recorrentes com episódios em que a tal fofoca ganhou corpo a partir de condenações sumárias do tribunal do Instagram ao crime de injúria. Tão estimulante quanto espalhá-la é perder a mão do limite (se é que existe).

Recentemente, casos de separação, intimidade, relacionamentos ou de entretenimento ganharam as redes como se fossem temas de caráter público. Blogueiros chegaram a entrar na onda, ávidos por likes, corações… Afinal, falar da vida alheia pode gerar engajamento, mesmo, a rigor, não interessando a ninguém.

Acontece que a fofoca não tem pernas curtas. É rapidamente difundida por pessoas que se aprazem com situações que podem constranger alguém, um desconhecido.  Atingem a honra, a dignidade das pessoas enquanto riem. Mossoró abraçou a insensibilidade em episódios recentes fabricados e que alcançaram pessoas públicas. Mas, poderia ser com você.

As pessoas estão de olho nos seus passos. A rede social, um ambiente de autovigilância, é também da vigilância perniciosa. Pessoas infelizes postam felicidade para pessoas infelizes. E como a felicidade dos outros incomoda, as fofocam e os pré-julgamentos troam.

O momento de alegria e entretenimento do padre Flávio Augusto foi encarado como heresia. Dançar e se divertir foram considerados pecado pelos juízes “cristãos” de Facebook. Nesta quinta-feira (26), o prefeito Allyson Bezerra precisou escrever um tuíte para lamentar áudio com ataques a ele e à sua esposa no campo pessoal.  Neste último caso, a fofoca construiu um roteiro machista e homofóbico, passível de investigação e punição judicial sobre a sua origem.

Embora atacados, ambos também receberam solidariedade.  Sobre o padre Flávio, o jornalista César Santos escreveu: “O homem trabalhador, solidário e humano também canta, dança, diverte-se. É feliz. E, a felicidade, em algum momento, incomoda àqueles de coração triste”.

No caso do prefeito, igualmente manifestações de apoio: “O prefeito deve ser fiscalizado enquanto sua conduta política e administrativa. Fomentar esse tipo de baixaria em nada acrescenta no debate público. Total repúdio a esse comportamento asqueroso”, comentou o jornalista Bruno Barreto. “Nem o prefeito escapou das fakes news e estatísticas de fofoca de Mossoró. Uma verdadeira baixaria. Lamentável, muito lamentável”, afirmou Chris Alves, do Blog da Chris.  “As “fake news”, em formato de baixaria mesmo, viralizaram nas redes sociais”, publicou o jornalista Saulo Vale. Só para ficar nestes dois casos.

A fofoca, o fake, o boato, o julgamento são elementos de soberba dos chamados lacradores de internet. Os indivíduos “tudólogos”, com resposta para tudo, se organizam para escolher determinada vítima por expressar posições. Eu já passei por isso em vários momentos. Colegas da imprensa sofrem o tempo todo com críticas que deveriam considerar as mensagens, não o mensageiro.

A fofoca tem pernas porque há quem dedique o seu tempo em compartilhá-la. Infelizes que sentem alegria ao caluniar alguém. Nesta “indústria”, há operários que aguardam o assunto do dia para espalhar. Têm parcela importante na responsabilidade sobre os estragos provocados naqueles que são o alvo neste banquete de infâmias. O problema é quando você for servido para o jantar.