O montante milionário de recursos

Quanto Rosalba recebeu para Covid e o rombo deixado para Allyson

Entre as lotações de leitos e a vacina que desembarca na cidade à conta-gotas, os recursos destinados para o enfrentamento à Covid-19 minguaram. O site WILLIAM ROBSON teve acesso aos detalhes de todos os depósitos realizados pela União à Prefeitura

Por William Robson

O prefeito Allyson Bezerra decidiu fazer um apelo à sociedade após visitar unidades de saúde no último sábado (20). Pelas redes sociais, falou do quadro preocupante que testemunhou. “A cada dia que passa a situação vai ficando pior”, constatou naquele momento. Reportava-se da plena lotação de UTI Covid e leitos clínicos em todo o sistema de saúde de Mossoró. O seu tom dramático apelava para que cada mossoroense se protegesse. A carga do apelo também era de aflição.

Print da live do sábado (20) em que o prefeito Allyson Bezerra faz apelo aos mossoroenses

Razões são várias. Entre as lotações de leitos e a vacina que desembarca na cidade à conta-gotas, os recursos destinados para o enfrentamento à Covid-19 minguaram. No pior momento da pandemia, onde o Brasil alcançou a aterrorizante marca de 300 mil mortos, o  número também é emblemático: equivale a uma Mossoró riscada do mapa. E mesmo assim, os esforços para a Covid, em forma de verbas destinadas para este fim, escasseam como se o pandemia estivesse sob controle.

Nenhum gestor ficaria confortável em ver o colapso no sistema de saúde de seu Município. Muito menos, em encontrar os cofres vazios, falta de insumos e dívidas que se acumularam no primeiro ano pandêmico. Foi neste período que o município recebeu o maior aporte financeiro exclusivo para o enfrentamento ao coronavírus, valores bem superiores do que se imaginava até então.

O site WILLIAM ROBSON teve acesso aos detalhes de todos os depósitos realizados pela União à Prefeitura de Mossoró. Os recursos, em grande parte, derivam do Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus, criado a partir da Lei Complementar 173/2020, sancionada em 27 de maio de 2020. O dinheiro foi repassado em parcelas de abril a outubro.

Mossoró foi contemplado com o acréscimo do Apoio Financeiro aos Municípios (AFM) na conta do Fundo de Participação (FPM), com destinação exclusiva para as demandas decorrentes da pandemia. A distribuição dos recursos tinha como previsão a abreviação “AFM I”, que se refere aos recursos para as áreas de saúde e assistência social e “AFM II” para uso livre, desde que haja relação com o novo coronavírus. Ou seja, em ambos os casos, trata-se de reforço aos cofres públicos para combate à Covid-19.

E não para por aí. Além dos recursos da AFM, a Prefeitura foi contemplada também com recursos de custeio para a Covid e para investimentos, classificados como Estruturação da Rede de Serviços Públicos de Saúde, que, como o nome diz, é dinheiro para ampliar as condições de atendimento a pessoas acometidas pelo vírus.

O detalhamento dos recursos destinados ao enfrentamento para a Covid em Mossoró em 2020

Até então, acreditava-se que a Prefeitura de Mossoró, na gestão da ex-prefeita Rosalba Ciarlini, recebera R$ 50 milhões com esta finalidade, quantia importante para os primeiros meses. Ledo engano. O montante era bem superior. Nada menos que R$ 80.365.921,20,  valor 60% maior.

A partir de informações exclusivas, esta soma é uma combinação de AFM, que a gestão Rosalba recebeu R$ 36.833.823,98 e os demais recursos de custeio e investimento, equacionando R$ 43.532.088,22. Somente em junho, a prefeitura foi contemplada com R$ 9.597.974,89. Como tamanha quantia foi canalizada em ações contra Covid no ano passado?

Como todo mossoroense sabe, muito pouco foi utilizado para este fim, o que levou o vereador Genilson Alves a cobrar esclarecimentos em sessão da Câmara esta semana. “Mesmo recebendo este valor, Mossoró não tem estoque de medicamentos, de máscaras, de luvas, as UBS estão praticamente paradas. Faltam equipamentos. Então onde estes recursos foram aplicados?”, afirmou.

A Prefeitura de Mossoró confirmou ao site que os estoques estavam vazios na mudança de gestão. E como ressaltado pelo parlamentar, sem medicamentos, luvas, máscaras, entre outros equipamentos. Além disso, os mais de R$ 80 milhões não foram suficientes para o pagamento dos adicionais de insalubridade dos servidores, os plantões e custos de leitos de UTIs, que viraram o ano em atraso.

Assim, outro desasseio se descortina. A ex-prefeita vendeu até onde pôde, durante e pós-campanha eleitoral, uma casa supostamente “arrumada”, com dinheiro em caixa. “Porque se não fosse assim, dificilmente chegaríamos à condição que temos hoje, podendo dizer que a casa está arrumada, dívidas foram pagas, salários em dia e que muitas obras estão começando e outras estão sendo entregues. Eu vou deixar dinheiro em caixa. Em torno de R$ 183 milhões em caixa, já programados, algumas já licitadas, de obras e ações estruturantes”, assegurou Rosalba, em sua última entrevista concedida enquanto prefeita.

Ao assumir, o prefeito Allyson Bezerra se surpreendeu. Não era nada disso. Em vez de dinheiro em caixa, o que saltou aos olhos foi o acumulado impressionante de dívidas contraídas por Rosalba e gestões anteriores, tão alto que equivale a mais de um ano inteiro do orçamento da Prefeitura de Mossoró, ou exatamente R$ 855.012.292,97.

Mossoró atolada em dívidas e, no fundo do poço, encontrou uma retroescavadeira. Além da ausência de clareza na aplicação dos recursos destinados à Covid, o débito judicial da saúde superava os R$ 40 milhões. E acrescenta-se: o atual prefeito viu-se diante de enfrentar a pandemia com recursos completamente discrepantes ao da antecessora.

O levantamento que mostra os recursos destinados para a Covid em Mossoró em 2021, na gestão do prefeito Allyson Bezerra

As parcelas da AFM se encerraram no ano passado, em outubro. A arrecadação do município sofreu baque provocada pela pandemia. E as verbas destinadas para a Covid caíram assustadoramente. Nem de longe alcança sequer a verba destinada para custeio. Em janeiro e fevereiro, Mossoró não recebeu nenhum tostão para enfrentamento à Covid. Nada. Zero. Em março, recebeu R$ 1,44 milhão, distante até se comparada à uma única parcela recebida no ano passado.

Com este dinheiro diminuto e as dívidas, Allyson tem de lidar com o pior momento do coronavírus na cidade. Porém, seu apelo tem dado resultado. Nas últimas 24 horas, nenhum caso de covid foi registrado. Além disso, o município informou que foram 1.296 pessoas vacinadas contra a doença em 24 horas e dois óbitos foram registrados. A vacinação também foi ampliada para os finais de semana. Entretanto, a preocupação continua.  Com menos dinheiro e com o mistério para descobrir o destino de mais de R$ 80 milhões.