Independentismo

A questão catalã e o desejo de liberdade

Esta foi a primeira impressão de um brasileiro que dá as caras em Barcelona e entra no olho do furacão de mais um episódio a entrar para a história européia

Artigo meu publicado pela Agência Saiba Mais

Jovens promovendo festas de rock, usando uma bandeira como de capa de superherói, se reuniam na praça principal da Universidade Autônoma de Barcelona (UAB), a Plaza Cívica. A primeira impressão que tive naqueles fins de setembro era de uma curtição normal das tradicionais baladas que ocorrem no campo acadêmico. Era mais que isso.

Tratava-se de protesto, um de tantos, pela independência da Catalunha, Estado espanhol com fortes marcas culturais e identidade que os levam a se considerar como um povo realmente autônomo, assim como sua principal universidade se antecipa no nome.

Esta foi a primeira impressão de um brasileiro que dá as caras em Barcelona e entra no olho do furacão de mais um episódio a entrar para a história européia. Há pouco mais de um mês por aqui, onde realizo uma estância de doutorado em Jornalismo, comecei a me interessar pelas ações do povo catalão nos últimos dias.

Panelaços eram e são constantes, sempre à noite, por quase meia hora de barulho estridente, bandeiras com listras vermelhas e amarelas sobre uma estrela vazada sob um triângulo (o formato lembra a de Cuba) adornando as janelas dos belíssimos e históricos prédios da cidade, ao lado de flâmulas com o dizer  dentro de um balãozinho de Whatsapp… E o coro de milhares de pessoas na Plaza Catalunha em manifestações quase que diárias.

 

 

A identidade cultural catalã também é uma manifestação forte de caráter político. Escolas, universidades, mídia, praticamente tudo tem o idioma catalão como comum e corriqueiro. Isso não quer dizer que a mídia esteja ao lado dos chamados “independentistas”. Há uma forte campanha contra, ou melhor, pró-Madri.

Nas edições em que me dispus a ler do diário local “La Vanguardia”, um dos principais da Catalunha, a fim buscar alguma informação dos acontecimentos, percebi o forte apelo pela união. Editoriais reforçavam o risco de uma ruína provável advinda do divórcio com a Espanha.

As manchetes não cessavam de relatar a quantidade de empresas, bancos, multinacionais que deixavam suas sedes na região, e se transferiam para Madri ou Valência, devido à tal “instabilidade econômica” provocada pela questão catalã.

O dia 1º de outubro foi o dia D, a realização do plebiscito na região em que todos pudessem escolher por sua independência ou não. A Justiça e o Governo espanhol não reconheceram a votação e tentaram impedir à fórceps. Colocaram os policiais nas ruas, invadiram seções eleitorais, prenderam manifestantes, recolheram urnas, cenas fortes que riscaram o mundo inteiro. Até o rei Felipe VI, que pouco intervém em crises políticas, engrossou o caldo autoritário. Reprovou os protestos independentistas, chamou o Governo da Generalitat de “desleal” e que a ordem constitucional deveria estar assegurada.

SÍ ganhou com mais de 90% da preferência dos eleitores, com 2.020.144 votos, contra 7,8% do NO, ou 45.586 votos, mesmo com a onda de golpes, borrachas, telequetes e prisões. Diante da vitória esmagadora do , bastava tão-somente que o presidente da Generalitat, uma espécie de governador, Carles Puigdemont, proclamasse a Declaração Unilateral de Independência (DUI) e todos vivessem felizes para sempre, como esperava a maioria dos catalães. Não foi bem assim:

“Chegados a este momento histórico, e como presidente da Generalitat, assumo ao apresentar os resultados do referendo diante do Parlamento e de nossos concidadãos, o mandato que a Catalunha se transforma em Estado independente na forma de República (…) E com a mesma solenidade, o Governo e eu mesmo proponho que o Parlamento suspenda os efeitos da declaração de indepêndencia para que, nas próximas semanas, empreendamos um diálogo, sem o qual não é possível chegar a uma solução consensual”, disse Puigdemont, ao declarar a independência ante ao Parlamento, localizado nas proximidades do Parc de la Ciutadella. Oito segundos depois, pediu a suspensão.

 

 

A dúvida pairava no ar. Realmente Puigdemont proclamou a independência antes de suspendê-la? Os críticos começaram a atirar, afirmando que não se pode suspender algo que não foi proclamado. O diretor do citado “La Vanguardia”, Màrius Carol, afirmou que sem definir datas, abre-se margem para várias interpretações.

O primeiro-ministro Mariano Rajoy exigiu do presidente da Generalitat esclarecimento para tal incógnita. Um ultimato de cinco dias foi considerado. Do contrário, aplicaria-se o artigo 155, dispositivo legal acionado quando uma comunidade espanhola “não cumpre as obrigações que a Constituição e outras leis lhe impõem”, com pena da perda da autonomia do Estado e convocação de novas eleições.

Enquanto isso, líderes do movimento independentista, Jordi Cuixart e Jordi Sànchez, são detidos acusados de sedição – quando estimulam ações tidas como antidemocráticas. Puigdemont, em sua segunda resposta, insistiu num diálogo e que Rajoy parasse com o que chamou de “repressão”, em alusão a Cuixart e Sànchez.

A prisão dos dois têm motivado alguns protestos na cidade, como a impresionante Marcha das Velas, terça-feira passada (17) entre o Paseo de Gràcia e a Plaza Francese Macià. O La Vanguardia destacou: “O Independentismo exige a liberdade dos detidos”.

Catalunha vive sob a mira do revólver espanhol que pode detonar, a qualquer momento, o artigo 155. Conselhos de ministros, instaurados a partir de Madri, estão prontos para iniciar uma administração da Catalunha, em caso de intervenção. O barril de pólvora ainda não explodiu, embora a faísca esteja ativamente a queimar.

Enquanto isso, o noticiário aponta para uma previsão na queda do PIB da região de 13,4 bilhões de euros e na demanda turística, que já enfrenta perda de 15%.

Por outro lado, afora o viés econômico, há uma luta impressionante por liberdade, o que caracteriza bem a esquerda catalã. Os jovens com as capas em formas de bandeiras da Catalunha são os mesmos que desfilam pela UAB com camisetas que estampam a imagem de Che Guevara, Chávez e a foice e o martelo, símbolos do socialismo. Isso me faz concordar com a assertiva do Prêmio Pulizer deste ano, Colson Whitehead: “Não conheço a situação tão bem como deveria. Mas, se entendo o desejo de liberdade de um ser humano, como não vou entender o desejo de liberdade de um povo?”

 

*WILLIAM ROBSON CORDEIRO é jornalista, mestre em Estudos da Mídia e atualmente mora em Barcelona, onde faz doutorado-sanduíche em Jornalismo pela Universidade Autônoma de Barcelona e Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)